sábado, 20 de fevereiro de 2010

FOLIA NOSSA DE CADA DIA

“Passado o carnaval todos colocam as máscaras...”.

Aline França, escritora brasileira




Pois é! Enquanto a maioria – não digo todos – recoloca as suas fantasias habituais ou não após o carnaval, coloquei, eu, uma bota de gesso em função de uma entorse de um tornozelo, devido uma lesão em um dos seus ligamentos, adquirida durante o desfile de um bloco carnavalesco de uma dada praia do Rio Grande do Norte, no Brasil, cujos foliões eu fotografava.

Ocorre que se eu não tivesse continuado a subir e a descer ladeiras, além de andar pelas ruas da cidade a fotografar, e cuidado logo da entorse, cuja dor provocada suportei estoicamente por alguns dias, poderia não estar, agora, com o pé engessado, bem como a perna, até um pouco abaixo do joelho, tendo de passar dez dias ou mais, de repente, arrastando esse estorvo.

Detalhe: as primeiras quarenta e oito horas depois que o gesso é colocado – atentado cometido nesta sexta, 19 –, tenho de passar sem colocar o pé que está engessado no chão. Aí, é preciso ficar ora na cama, ora na rede; ora deitada, ora sentada, precisando de ajuda até para se levantar e ir ao banheiro, ao chuveiro etc. E o incômodo que o gesso confere é terrível: peso, calor e coceira.

A bem da verdade, se eu não tivesse saído da minha rede, como, inicialmente, era a minha proposta de carnaval para mim, nada disso teria acontecido. Mas, como eu já estava entediada, querendo, quiçá, um pouco de emoção, quando soube da saída do tal bloco, muni-me do meu equipamento fotográfico e fui ao encontro da folia, a fim de registrar alguns dos seus momentos.

Deu no que deu! E, agora, estou carregando um fardo mais que pesado, que é ter um membro engessado, sobretudo considerando a minha altura. E terei de suportar esse fardo mesmo após o término das primeiras quarenta e oito horas sem poder colocar o pé no chão. Pior! Como, logo depois, subirei e descerei de mais de um avião acompanhada desse encosto? Ninguém merece!

Esse episódio, contudo, remeteu-me a Greve Geral de 1989. Eu fotografava as manifestações em Natal, no Rio Grande do Norte, quando a pancadaria da polícia militar do Estado começou a correr solta, sem falar no gás lacrimogêneo lançado aleatoriamente contra os manifestantes. De repente, em meio ao tumulto, presenciei um gari da companhia de limpeza da cidade sendo espancado por policiais.

Sem hesitar, fotografei toda a surra que o pobre levava. Outros policiais – três, se não me falha a memória –, ao virem que eu registrava o ocorrido, foram em minha direção, me cercaram e, de repente, desferiram violentos golpes de cassetetes em minhas pernas, além de quase partirem ao meio a minha máquina com essa desprezível arma branca, confiscando-a.

Recordei desse acontecimento porque, apesar de, à época, ter me submetido a diversas sessões de fisioterapia, as minhas pernas nunca mais foram as mesmas. Ou seja, nunca se recuperaram do espancamento que sofreram. Desde então – já se passaram mais de vinte anos –, tenho seqüelas da violência da qual fui vítima. Sinto dores atrozes nas pernas e nos tornozelos.

Não é à toa que costumo dizer que os meus tornozelos não valem um centavo. Vivo torcendo-os, independentemente do calçado que eu use. Ficaram comprometidos. É tão louco que, até hoje, é comum acordar a noite com dores intensas nas pernas. O incômodo é que, com o passar do tempo, as dores pioram. E não há medicamento algum que debele a dor ou que sequer a minimize.

Assim, aprendi a conviver com a dor e com as torções ao longo do tempo. Só que foi a primeira vez que tive uma entorse de um tornozelo provocada por uma lesão em um dos seus ligamentos. E, segundo os ortopedistas que consultei, o gesso se fez necessário, pois, caso eu não o colocasse, o problema da fragilidade das minhas pernas e dos meus tornozelos só se agravariam.

Desse modo, foi feita a vontade dos especialistas. Não a minha! Sim, porque, por mim, que adquiri tolerância a dor, eu nem teria colocado o gesso. Limitar-me-ia a suportar mais uma dor – já estou acostumada mesmo – e colecionar mais uma história. Porém, levei tudo na brincadeira. Afinal, nunca havia engessado nada do meu corpo antes. Então, quis viver a experiência. E voilá!



Nathalie Bernardo da Câmara

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