domingo, 21 de novembro de 2010

SAVOIR-FAIRE?


“Ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai!...”.

Vanessa da Mata
Cantora brasileira



Ignorância é uma coisa triste! Isto é, quando não se trata, no caso do papa Bento XVI, de senilidade – nada contra a terceira idade. Pelo contrário! Eu só não entendo como, até hoje, esse senhor insiste na sandice de proibir o uso de preservativos. Sei não, mas acho que Lula devia fazer uma boa ação e presentear Bentinho com uma Bolsa Escola. Afinal, mesmo depois de todas as polêmicas já desencadeadas por causa dessa alienação teimosa de Bento XVI, ele não se convence que, apregoando, onde quer que vá, contra o uso de camisinha, continua, por isso, condenando, deliberadamente, à raça dita humana à extinção – uma irresponsabilidade social.

Digo isso porque, na próxima terça-feira, 23, na Alemanha, o religioso pretende lançar o livro Luz do mundo: O papa, a Igreja e os sinais do tempo. Uma conversa com o santo padre Bento XVI, baseado em vinte horas de entrevistas feitas pelo jornalista e escritor alemão Peter Seewald. Editado pela Libreria Editrice Vaticana e vendido por € 19,50, o livro aborda, entre outros temas, a liberação do uso do preservativo exclusivamente para as prostitutas. Que nome ingrato... Enfim! O papa acredita que, liberando o uso de preservativos para as prostitutas, elas estariam dando um possível “passo para a moralização”.

STOP! De qual moralização o papa fala? E do ponto de vista de quem? O dele ou o das prostitutas? Ou melhor, qual o entendimento que Bento XVI tem por moralização? Falando nisso, aproveito o ensejo para dizer que, pelo menos no Brasil, as profissionais do sexo têm organizações de classe, representantes no Congresso Nacional... Existe até uma Rede Brasileira de Prostitutas, cuja missão, entre outras, é a de promover a articulação política do movimento organizado de prostitutas e o fortalecimento da identidade profissional da categoria, visando, entre outras coisas, a redução do estigma e da discriminação.

Da Rede Brasileira de Prostitutas faz parte, por exemplo, a DaVida – Prostituição, direitos civis e saúde, organização da sociedade civil fundada pela socióloga brasileira Gabriela Leite em 1992 – ano em que a entrevistei –, a fim de serem criadas oportunidades para o fortalecimento da cidadania das prostitutas por meio da organização da categoria, da defesa e promoção de direitos, da mobilização e do controle social. Um trabalho exemplar! Tanto que, em 2002 – não foi à toa –, a Davida ganhou o Prêmio Ações Sustentáveis em HIV/AIDS do Programa Nacional DST e Aids do Ministério da Saúde, conquistando respeito e credibilidade.

Isso sem falar que a organização tem até uma griffe de moda, a Daspu, criada em 2005 – com as estampas, frases e designers das suas peças inspiradas no universo da prostituição –, cujo objetivo é o de gerar visibilidade e recursos para projetos sociais e culturais da Davida, que mantém, ainda, um jornal impresso, que é o Beijo da rua, publicado desde 1988, disponível em versão eletrônica. Apoiado pelo Programa Nacional de DST e Aids, do Ministério da Saúde, e pela UNESCO, o jornal é editado pelo meu colega jornalista brasileiro Flávio Lenz, que também entrevistei em 1992, irmão da poetisa brasileira Ana Cristina César (1952 - 1983).

Sei não, mas, caso Bento XVI volte ao Brasil, ele bem que poderia agendar, por exemplo, uma visita à sede da Davida, no Rio de Janeiro, e conhecer, de perto, o belíssimo trabalho realizado há quase duas décadas por Gabriela Leite e toda a sua equipe. Bom! O curioso é que já andam a dizer que Bento XVI evoluiu... Ora, só porque ele fez uma única concessão para o uso de preservativos? Uma concessão com caráter depreciativo? E os homens prostitutos, profissionais do sexo, como ficam? Não são contemplados por tamanha liberalidade? Bizarro... Mas, em minha opinião, liberar, no caso, o uso de camisinha para as prostitutas não tem nada a ver com evolução.

Pelo contrário! Revela, apenas, o conservadorismo medieval do papa e de como a categoria das profissionais do sexo é estigmatizada por ele e por seus pares de batina. Sim, como se as mulheres que trabalham prestando serviços sexuais fossem um foco potencialmente transmissor de doenças e de sabe-se lá mais o quê, devendo, portanto, como Bento XVI mesmo disse, serem moralizadas... Ai! O fato é que, no palco dessa esquizofrenia papal, chego até a pensar que Joseph Ratzinger – nome de batismo do atual papa – está começando a manifestar os primeiros sintomas do Mal de Alzheimer, necessitando de cuidados médicos.



 


De qualquer modo, integralista como Ratzinger sempre foi, sem falar na sua condição de inquisidor, durante quase longos vinte e quatro anos (1981 - 2005) como prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé do Vaticano, considerada o quarto e atual estágio da Inquisição, essa sua inesperada e súbita mudança de entendimento acerca do uso de preservativos não me parece nada normal, sobretudo porque, em março de 2009, na África, as declarações levianas que fez a respeito mais pareceu praga ao continente africano e ao seu povo, ambos já tão devastados pela fome e pela miséria, além de também devastados pela AIDS, mais do que qualquer outra coisa...

À época, por suas posições retrógadas, o papa provocou reações internacionais. Uma delas foi a do bispo das Forças Armadas e de Segurança do Ministério da Defesa de Portugal, médico Januário Torgal Ferreira, que ficou estarrecido com a irresponsabilidade de Bento XVI, dizendo: “Do ponto de vista médico, não tenho dúvida de que proibir o preservativo é consentir na morte de muitas pessoas”. Membro da Comissão Nacional da Luta contra a AIDS de Portugal e da Associação Cidadãos do Mundo, a médica Ana Filgueiras, de renome internacional, rejeitou a posição do chefe da Igreja católica, considerando-a “absolutamente criminosa”.

Ao mesmo tempo, de Haia, o então ministro da Cooperação para o Desenvolvimento da Holanda, Bert Koenders, confessou a sua perplexidade diante das declarações de Bento XVI, que, inclusive, ele acusou de ter “perdido o sentido das realidades”. Em editorial intitulado Redenção para o papa?, a britânica Lancet, uma das mais conceituadas revistas médicas do mundo, acusou o papa, quando ele declarou que os preservativos aumentam a disseminação do vírus HIV e do aumento dos casos de AIDS, de distorcer evidências científicas a fim de promover a doutrina católica, exigindo a sua retratação, que, até hoje, não aconteceu.

Em editorial, o jornal New York Times foi enfático, dizendo que “o Papa não merece crédito quando distorce pesquisas científicas sobre a importância do preservativo em diminuir a disseminação do vírus”. Já o ex-primeiro-ministro francês Alain Juppé não hesitou, com toda razão, em dizer que “o papa começa a ser um verdadeiro problema, dado que ele vive em uma situação de total autismo”. Da Bélgica, a então ministra da Saúde, Laurette Onkelinx, disse, duramente, que a posição de Bento XVI “reflete uma visão doutrinária perigosa que pode demolir anos de prevenção e educação e colocar em risco muitas vidas humanas”.

Que o diga o teólogo alemão Hans Küng, antigo conhecido de Ratzinger: “Bento XVI será julgado pela História como responsável pela maior propagação do vírus da AIDS”. Assino embaixo! E, sinceramente, quem quiser que leia o livro do papa, mas que só não fique entalado com as duzentas e oitenta e quatro páginas, que, divididas em três partes: Os Sinais do tempo; O Pontificado e Sobre aonde vamos, apenas reforçam o que qualquer pessoa de bom senso sabe: Bento XVI não é confiável. Sem falar que, nesse livro de entrevistas, fica registrada – nenhuma novidade – a sua conivência com a pedofilia no seio da Igreja católica... É muita hipocrisia!


Nathalie Bernardo da Câmara


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Aceita-se comentários...