quinta-feira, 21 de abril de 2011

BRASÍLIA:
CAPITAL DA ESPERANÇA?



Croqui Memorial JK (1980) – Oscar Niemeyer

“Para mim, a liberdade é algo fundamental...”.
 
(1902 - 1976)
Médico, ex-presidente do Brasil




Brasília comemora 51 anos de idade, fundada que foi no dia 21 de abril de 1960, fruto do espírito desbravador e ousado do mineiro JK, bem como da criatividade do urbanista Lúcio Costa (1902 - 1998), nascido na França, mas naturalizado brasileiro, que traçou, digamos, uma tosca cruz em uma folha de papel – mais simples, ou simplório, não poderia ter sido –, que, depois, inclusive, assimilada pelo imaginário coletivo, passou a ser interpretada como qualquer coisa que tivesse asas, tipo um pássaro, um avião... Bom! Brasília foi igualmente fruto das linhas arrojadas do arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer, embora eu não seja muito chegada à arquitetura dita moderna, além, é claro, da decisiva contribuição dos candangos – operários que, oriundos de várias regiões do país, sobretudo do Nordeste, puseram, literalmente, a mão na massa, trocando, da noite para o dia, a enxada pelo tijolo.

Um capítulo à parte, aliás, o do drama dos candangos, ou melhor, o da sua saga. Afinal, na aridez do Cerrado, tragando o bafo quente e seco do Planalto Central, em um cenário para lá de inóspito e desolador, onde, lamentavelmente, as condições de trabalho eram as mais adversas, dezenas e mais dezenas desses retirantes que buscavam a chance de uma vida melhor foram tragicamente dizimadas nos mais diversos canteiros de obras espalhados pelos recônditos os mais insalubres da nascente capital brasileira. Para o cineasta brasileiro Vladimir Carvalho, por exemplo, que em seu documentário Conterrâneos velhos de guerra (1991) retratou aspectos nebulosos dos bastidores da epopéia de JK, após cerca de dezenove anos pesquisando, entrevistando, escrevendo e produzindo o filme, esses pioneiros foram vítimas de uma chacina sem precedentes na História da engenharia civil no Brasil.

Hoje, contudo, os tempos são outros, mas, nem por isso, a cidade sem esquinas, como Brasília já foi decantada por alguns poetas, mudou de cenário. Podem, sim, ter mudado as suas paisagens, mas o cenário que se descortina no Plano Piloto, nas cidades satélites do Distrito Federal ou em seu entorno, continua inóspito e desolador, sobretudo porque Brasília não foi privada das mazelas sociais e econômicas habitualmente diagnosticadas em não importa qual cidade do país, independentemente dos seus índices demográficos. No entanto, a pior das mazelas que assola Brasília, a mais decadente, reside no âmbito político... É quando o tempo fecha e o povo brasileiro testemunha os maiores escândalos já vistos por essas plagas, sobretudo os relacionados ao tráfico de influência – o pior de todos –, que, aliás, se reproduz com imensa facilidade, igual o aedes aegypti, bem como se prolifera a 3x4, tal qual o vírus HIV.

Enfim! Não estou falando mal de Brasília em si, que, inclusive, já me rendeu muitos poemas, mas do antro de promiscuidade política que ela abriga – um fato inconteste. Daí homenagear apenas JK, em termos; o candango espoliado; o povo decente da cidade, incluindo os seus artistas, e o meu camarada Niemeyer, que, na lucidez dos seus 104 anos de idade, transpira vigor, se entregando, sem trégua, à labuta diária, legando à posteridade obras únicas, tal qual o Memorial JK, inaugurado no dia 12 de setembro de 1981 e, desde então, tido como um dos mais belos monumentos do mundo. De fato! E, como diria o arquiteto: “O ruim de Brasília é que quando a gente chega lá percebe que a cidade está inacabada...”. Eu, particularmente, diria que, além de arquitetonicamente inacabada, Brasília encontra-se acabada. Que seja feita, então, a vontade do slogan do seu 51° aniversário: Quem ama, cuida...



Realidade ou mito?



“A História é êmula do tempo, repositório dos fatos, testemunha do passado, exemplo do presente, advertência ao futuro...”.

Miguel de Cervantes (1547 - 1616)
Poeta e escritor espanhol



Confesso que eu nunca acreditei piamente nas versões dos fatos transmitidos ao longo da História do Brasil sobre a Inconfidência Mineira, movimento de caráter separatista, ocorrido em Minas Gerais no ano de 1789, que apenas visava dar fim à exploração de Portugal à colônia brasileira. E mais! Desde a minha mais tenra idade, eu sempre achei o papel de mártir supostamente atribuído ao dentista e alferes brasileiro Joaquim José da Silva Xavier da também chamada Conjuração Mineira foi, literalmente, sem pé nem cabeça.

Não, não é humor negro. Afinal, quem já ouviu a História desse mineiro, alcunhado de Tiradentes por seu ofício, sabe que, no dia 21 de abril de 1792, aos 46 anos de idade, ele foi barbaramente enforcado e esquartejado, com membros do seu corpo sendo expostos ao longo das vias que davam acesso a Minas Gerais, pondo termo, definitivamente, ao movimento dos inconfidentes mineiros. Sem falar que, na condição de jornalista, a minha função é constatar fatos.

Desse modo, como os fatos em questão nunca foram historicamente comprovados, qual a razão, então, para que, desde 1890, o dia 21 de abril seja feriado no Brasil em homenagem a Tiradentes? Sei não, mas, mesmo tendo esses acontecimentos realmente ocorridos, nem assim vale parar o país por causa disso. Afinal, qual o valor de fatos ditos históricos como os que foram mencionados? Porém, como não me considero expert no assunto, eu achei melhor transcrever um ensaio do jornalista brasileiro Roberto Pompeu de Toledo a respeito, publicado na revista Veja, no dia 25 de abril de 2007.


Nathalie Bernardo da Câmara


Joaquim José,
um brasileiro

Por Roberto Pompeu de Toledo


As razões que levaram Tiradentes,
homenageado a cada 21 de abril,
a virar herói supremo da nação.




Nunca ficou clara, e provavelmente nunca ficará, a exata importância do papel desempenhado por Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, na Inconfidência Mineira. Nunca ficou claro se era um revolucionário consistente ou um bobo boquirroto, que nos bordéis oferecia às prostitutas lugares de destaque na república que prometia construir. No entanto, esse personagem elusivo, de biografia que nos chegou truncada, e do qual não se conhecem nem os traços fisionômicos, ajustou-se muito bem ao papel de herói supremo da nacionalidade de que o incumbiram tanto os decretos oficiais quanto o gosto popular, tanto os dirigentes de turno quanto os opositores. A nenhum outro foi reservada a honra de um feriado nacional dedicado à sua pessoa.

Tiradentes foi elevado a herói oficial pela República. No período imperial, sua figura permaneceu, se não esquecida, pelo menos obscurecida, pela boa e forte razão de ter sido adepto do regime republicano e, ainda por cima, de o movimento a que pertenceu ter pretendido atentar contra uma dinastia cujos herdeiros continuavam, apesar da independência, no comando do país. Proclamada a República, já o 21 de abril seguinte, o de 1890, foi feriado. Nestes 117 anos que se seguiram, pairando por cima dos diversos golpes e revoluções, ditaduras, períodos democráticos, governos mais à direita e mais à esquerda, o 21 de abril, dia do enforcamento de Tiradentes, em 1792, nunca deixou de ser feriado.

A primeira razão para seu triunfo póstumo tem base no próprio caráter esquivo do personagem. Como não se sabe direito quem ele foi, virou figura fácil de ser puxada para este ou aquele lado. O regime militar declarou-o "Patrono Cívico da Nação Brasileira" por decreto do marechal Castello Branco de dezembro de 1965. Em 1967, o Teatro de Arena, de São Paulo, um templo da esquerda, montou a peça Arena Conta Tiradentes, de Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri. Se o Tiradentes de Castello Branco era um herói para personificar os valores que o regime militar pretendia representar, o do Arena era um contestador desses mesmos valores.

A segunda razão, conforme a lúcida argumentação do historiador José Murilo de Carvalho, é o fato de a frustrada tentativa de insurreição de que Tiradentes acabou o símbolo ter ocorrido em Minas Gerais, com desdobramentos no Rio de Janeiro, onde ele foi preso e enforcado. Não faltaram insurreições de coloração republicana, tanto no período colonial quanto no imperial. As revoluções pernambucanas de 1817 e 1824 são duas delas, outra é a Farroupilha, do Rio Grande do Sul. Os cabeças do movimento que proclamou a República poderiam ter escolhido, como heróis da nação, tanto o frei Caneca dos levantes pernambucanos como o Bento Gonçalves do movimento gaúcho. José Murilo de Carvalho sugere no entanto que um e outro acabaram descredenciados por ter atuado em regiões consideradas, àquela altura, secundárias em relação ao eixo político do país. Tiradentes, ao contrário, "era o herói de uma área que, a partir da metade do século XIX, já podia ser considerada o centro político do país – Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo".

A terceira e mais interessante razão da glorificação de Tiradentes é o apelo popular da fusão, em sua pessoa, de herói nacional e ícone religioso. Os artistas inventaram para ele um rosto inspirado naquele inventado para Jesus Cristo. Como Jesus Cristo, ele é o protagonista de uma paixão. Sua caminhada, na manhã daquele 21 de abril – um sábado, como neste ano –, da cela que ocupava na Cadeia Velha, situada onde atualmente fica o Palácio Tiradentes (antiga sede da Câmara dos Deputados, hoje da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro), até a forca, no lugar então conhecido como Campo de São Domingos, ecoa o trajeto do Calvário. A esses fatores exteriores soma-se que, nos três anos em que permaneceu preso, marcados pelas privações, pelos interrogatórios, pela expectativa da morte e pela assistência dos padres, Tiradentes deixou-se tomar pela religiosidade. Ao subir ao cadafalso, beijou os pés do carrasco. Depois rezou o credo. Era um Cristo entregando-se à sua sorte.*

A mistura de herói cívico e religioso tem paralelo na Joana d'Arc dos franceses. Mas nem Joana d'Arc chegou a tanto, ou seja, a repetir o próprio Cristo. Joaquim José da Silva Xavier cumpre uma trajetória que vai de um Macunaíma dos bordéis a um místico que, pelo martírio, supera o Conselheiro ou o padre Cícero. De permeio, é um servidor da ordem (alferes do Exército) que passa a adepto falastrão de um movimento contestatório que vira fumaça antes de conseguir pôr pé na realidade. Acrescente-se que fazia um bico como hábil arrancador de dentes, ofício para o qual andava com uma pequena canastra em que guardava uns tantos ferrinhos, e pronto: eis a figura de um brasileiro.


* A quem quiser saber mais recomenda-se o capítulo Tiradentes, um herói para a República, do livro A Formação das Almas, de José Murilo de Carvalho, no qual o presente artigo é fortemente baseado.


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