sexta-feira, 4 de maio de 2012

O QUE DEUS UNIU...

“Com Lula e Dilma o Brasil pode mais...”.

Luiz Inácio Lula da Silva
Ex-presidente do Brasil, satirizando o slogan O Brasil pode mais, adotado pelos tucanos, partidários da candidatura do economista José Serra (PSDB-SP), durante a campanha eleitoral de 2010.


A notícia foi divulgada no dia 22 de abril do corrente pelo jornal Folha de S. Paulo. Ocorre que eu só tomei conhecimento da sua divulgação en passant e, mesmo assim, logo fui tomada por uma sensação de pavor. O pior, contudo, viria depois, quando, não demorou muito, procurei interar-me mais aprofundadamente sobre a informação em questão, ou seja, a de que “a presidente Dilma Rousseff bateu mais um recorde de popularidade, mas seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, é o preferido dos brasileiros para ser o candidato do PT ao Planalto em 2014”, com 57% dos votos válidos contra 32%. Imagine, então, caro leitor, a beira do abismo do qual me deparei quando, infelizmente, a ficha, de fato, caiu! E como caiu...




Praticamente, portanto, obrigada a discernir sobre a gravidade dos riscos que corria a democracia no Brasil diante do resultado da pesquisa do Datafolha, realizada nos dias 18 e 19 deste mês com 2.588 pessoas em todos os Estados e no Distrito Federal, sendo a margem de erro, no caso, de dois pontos percentuais, para mais ou para menos, só não desencadeei uma crise de síndrome do pânico porque prometi o que podia – e o que não podia também – para que o resultado da pesquisa não passasse de um mero equívoco, passando, a partir daí, a acreditar, eu mesma, que tudo não se resumia num erro provavelmente ocorrido durante a coleta de dados empreendida pelo instituto em questão.



De volta ao passado?

“O maior retrocesso não é a falta de ferramentas no canteiro de obras, mas a ausência do coração do empreendedor...”.

Odair Alves de Oliveira
Escritor brasileiro


Desse modo, confesso que, desde então, não penso noutra coisa – claro que é exagero em demasia (e haja redundância...)! – que não seja a possibilidade de Lula retomar o seu antigo assento no Palácio do Planalto. Afinal, ninguém merece! Não obstante, caso isso realmente venha a acontecer, passarei a lamentar profundamente – mais ainda! – pelo povo brasileiro, que, a bem da verdade, ignora o universo megalomaníaco e nada bem intencionado de um homem que, sempre batendo na mesma tecla, ou seja, sempre que pode, por pura demagogia, evidencia que, apesar das suas origens humildes, a pobreza na qual ele foi criado, a falta de oportunidades que teve na vida etc, chegou onde chegou, sendo, portanto, um filho do Brasil – aqui, entretanto, um parêntese. Quero deixar claro que, em momento algum, faço caso nem encaro com desdém o nível de instrução de Lula – longe disso! Na verdade, o que eu questiono – questionamento esse, aliás, que remonta a meados do seu primeiro mandato como presidente do país – é o seu caráter, ou melhor, a fraude política que ele representa. O problema, contudo, é que Lula representa tão bem – parece até que se formou em artes cênicas – que, às vezes, dá até calafrios! Tipo como se estivéssemos assistindo, por exemplo, a umas das versões da peça O Fantasma da ópera, todas, inclusive, baseadas no romance do escritor francês Gaston Leroux (1868 - 1927), originalmente publicado em 1910. Isso sem falar que Lula se expressa que é uma beleza! Porém, apesar de não ter concluído os estudos ditos formais, ele sempre se mostrou ser um bom aluno. Tanto que aprendeu direitinho, cada passo, aliás, como se tornar um exemplar demagogo – melhor dizendo, ele aprendeu, literalmente, a arte de fazer política.

Sim, porque, convenhamos, o que de há muito temos assistido no cenário político do país, muito mal acomodados – diga-se de passagem –, sentados que estamos em poltronas puídas e fétidas, piores do que as de qualquer teatro de quinta, em circunstâncias as mais adversas possíveis, é a uma performance digna do dramaturgo irlandês Samuel Beckett (1906 – 1989), como se estivéssemos à espera não digo nem mais de Godot, mas de algo ainda mais absurdo do que, enfadonhamente, já temos visto. E é, portanto, dessa forma, de paradoxo em paradoxo, que vamos caminhando. Afinal, embora bem articulado, o discurso de Lula – o que não são capazes anos e mais anos de prática... – costuma girar sempre em torno de um mesmo eixo: o seu, sobretudo se levarmos em consideração o elevadíssimo grau da sua egolatria, chegando até mesmo ao cúmulo de negar o direito de outrem a exercer a mesma liberdade de expressão que, na condição de cidadão brasileiro, ele exerce. E o pior: sem dó nem piedade, sendo, contudo, obrigado por terceiros a conter um dos seus impulsos mais primitivos, que é o de estrangular a voz da imprensa, engolindo, como se diz, o direito desta à liberdade de expressão – foi assim durante os seus dois mandatos presidenciais consecutivos e, o que tanto temo (tudo indica), tem tudo para voltar a ser caso o maledeto resultado da pesquisa do DataFolha esteja correto e a tendência para uma eventual confirmação só aumente. Assim sendo, haja crises de síndrome de pânico! – as quais, vale salientar, estão totalmente fora dos meus planos, já que piamente acredito na vitória da ambientalista e ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva nas eleições presidenciais de 2014. De qualquer modo, em relação a Lula, não foi por falta de aviso que, de tanto a cobra fumar, não deu outra!

Nathalie Bernardo da Câmara






A falência múltipla dos órgãos públicos*

Por Arnaldo Jabor
Cineasta, roteirista, dramaturgo, jornalista e escritor árabe-brasileiro


Os corruptos ajudam-nos a descobrir o País. Há sete anos, Roberto Jefferson nos abriu a cortina do mensalão. Agora, com a dupla personalidade de Demóstenes Torres, descortinamos rios e florestas e a imensa paisagem de Cachoeira. Jefferson teve uma importância ideológica.

Cachoeira é uma inovação sociológica. Cachoeira é uma aula magna de ciência política sobre o Sistema do País. Vamos aprender muito com essa crise. É um esplendoroso universo de fatos, de gestos, de caras, de palavras que eclodiram diante de nossos olhos nas últimas semanas. Meu Deus, que riqueza, que profusão de cores e ritmos em nossa consciência política! Que fartura de novidades da sordidez social, tão fecunda quanto a beleza de nossas matas, cachoeiras, várzeas e flores.

Roberto Jefferson denunciou os bolchevistas no poder, os corruptos que roubavam por “bons motivos”, pelo “bem do povo”, na base dos “fins que justificam os meios”. E, assim, defenestrou a gangue de netinhos de Lenin que cercavam o Lula que, com sua imensa sorte, se livrou dos mandachuvas que o dominavam. Cachoeira é uma alegoria viva do patrimonialismo, a desgraça secular que devasta a história de nosso País. Sarney também seria ‘didático’, mas nada gruda nele, em seu terno de ‘teflon’; no entanto, quem estudasse sua vida entenderia o retrato perfeito do atraso brasileiro dos últimos 50 anos.

Cachoeira é a verdade brasileira explícita, é o retrato do adultério permanente entre a coisa pública e privada, aperfeiçoado nos últimos dez anos, graças à maior invenção de Lula: a ‘ingovernabilidade’.

Cachoeira é um acidente que rompeu a lisa aparência da ‘normalidade’ oficial do País. Sempre soubemos que os negócios entre governo e iniciativa privada vêm envenenados pelas eternas malandragens: invenção de despesas inúteis (como as lanchas do Ministério da Pesca), superfaturamento de compras, divisão de propinas, enfrentamento descarado de flagrantes, porque perder a dignidade vale a pena, se a grana for boa, cabeça erguida negando tudo, uns meses de humilhações ignoradas pelo cinismo e pela confiança de que a Justiça cega, surda e muda vai salvá-los. De resto, com a grana na ‘cumbuca’, as feridas cicatrizam logo.

O governo do PT desmoralizou o escândalo e Cachoeira é o monumento que Lula esculpiu. Lula inventou a ingovernabilidade em seu proveito pessoal. Não foi nem por estratégia política por um fim ‘maior’ – foi só para ele.

Achávamos a corrupção uma exceção, um pecado, mas hoje vemos que o PT transformou a corrupção em uma forma de governo, em um instrumento de trabalho. A corrupção pública e a privada é muito mais grave e lesiva que o tráfico de drogas.

Lula teve a esperteza de usar nossa anomalia secular em projeto de governo. Essa foi a realização mais profunda do governo Lula: o escancaramento didático do patrimonialismo burguês e o desenho de um novo e ‘peronista’ patrimonialismo de Estado.

Quando o paladino da moralidade Demóstenes ficou nu, foi uma mão na roda para dezenas de ladrões que moram no Congresso: “Se ele também rouba, vamos usá-lo como um Omo, um sabão em pó para nos lavar, vamos nos esconder atrás dele, vamos expor nosso escândalo por seu comportamento e, assim, seremos esquecidos!”

Os maiores assaltantes se horrorizaram, com boquinha de nojo e olhos em alvo: “Meu Deus… como ele pôde fazer isso?…”

Usam-no como um oportuno bode expiatório, mas ele é mais um ‘boi de piranha’ tardio, que vai na frente para a boiada se lavar atrás.

Demóstenes foi uma isca. O PT inventou a isca e foi o primeiro a mordê-la. “Otimo!” – berrou o famoso estalinista Rui Falcão – “Agora vamos revelar a farsa do mensalão!” – no mesmo tom em que o assassino iraniano disse que não houve holocausto. “Não houve o mensalão; foi a mídia que inventou, porque está comprada pela oposição!” Os neototalitários não desistem da repressão à imprensa democrática…

E foi o Lula que estimulou a CPI, mesmo prejudicando o governo de Dilma, que ele usa como faxineira também das performances midiáticas que cometeu em seu governo. Dilma está aborrecida. Ela não concorda que as investigações possam servir para que o Partido se vingue dos meios de comunicação e não quer paralisar o Congresso. Mas Lula não liga. “Ela que se vire…” – ele pensa em seu egoísmo, secretamente, até querendo que ela se dane, para ele voltar em 14. Agora, todo mundo está com medo, além da presidente. O PT está receoso – talvez vagamente arrependido. Pode voltar tudo: aloprados, caixas 2 falsas, a volta de Jefferson, Celso Daniel, tantas coisinhas miúdas… A CPI é um poço sem fundo. O PMDB, liderado pelo comandante do atraso Sarney, também está com medo. A velha raposa foi contra, pois sabe que merda não tem bússola e pode espirrar neles. Vejam o pânico de presidir o Conselho de Ética, conselho que tem membros com graves problema na Justiça. Se bem que é maravilhoso o povo saber que Renan, Juca, Humberto Alves, Gim Argello, Collor serão os ‘catões’, os puros defensores da decência… Não é sublime tudo isso? Nunca antes, em nossa história, alianças tão espúrias tiveram o condão de nos ensinar tanto sobre o Brasil. A cada dia nos tornamos mais sábios, mais cultos sobre essa grande chácara de oligarquias. E eu estou otimista. Acho que tudo que ocorre vai nos ensinar muito. Há qualquer coisa de novo nessa imundície. O mundo atual demanda um pouco mais de decência política. Cachoeira, Jefferson, Durval Barbosa nos ensinam muito. Estamos progredindo, pois aparece mais a secular engrenagem latrinária que funciona abaixo dos esgotos da pátria. A verdade está nos intestinos da política.

Mas, o País é tão frágil, tão dependente de acasos, que vivemos com o suspense do julgamento do mensalão pelo STF.

Se o ministro Ricardo Lewandowski não terminar sua lenta leitura do processo, nada acontecerá e a Justiça estará desmoralizada para sempre.

*Publicado no jornal O Globo no dia 17 de abril de 2012.


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