sexta-feira, 3 de agosto de 2012

GORE VIDAL: LUZ NAS TREVAS

Gore Vidal in 2006 © Stathis Orphanos

“Estilo é saber quem você é, o que quer dizer e não se importar com isso...”.

Gore Vidal (1925 - 2012)
Escritor, ensaísta, roteirista e dramaturgo norte-americano.

Um dos maiores cronistas do império norte-americano, chegando, inclusive, a chamá-lo, ironicamente, de “Estados Unidos da Amnésia”, recebeu cartão vermelho na terça-feira, 31 de julho, em sua casa de Los Angeles, nos EUA, já que não resistiu aos apelos das complicações decorrentes de uma pneumonia. Locomovendo-se já havia algum tempo numa cadeira-de-rodas, o escritor Gore Vidal estava com 86 anos de idade e, ao longo da vida, sempre conviveu e manteve intimidades com o seu bem mais precioso: a palavra, ora tecendo os seus escritos, ora lendo os de outros, como o fazia quando, ainda apenas uma criança, fazia companhia ao avô materno, o lendário senador T. P. Gore (1870 - 1949), que, cego, pedia ao neto que lesse para ele. Com o avô, portanto, com quem Gore Vidal passou a infância em Washington, criou gosto pela política, embora nunca tenha sido eleito para cargo algum, diferentemente do primo Al Gore, que, inclusive, chegou à vice-presidência dos EUA, e desenvolveu a sua visão de mundo, sobretudo da política em si. Um dos maiores intelectuais e pensadores norte-americanos da geração do pós-guerra, ele tornou-se um dos mais ferrenhos críticos do intervencionismo característico do governo do seu país, ao lado, por exemplo, da escritora, cineasta, dramaturga e ativista dos direitos humanos Susan Sontag (1933 - 2004) e do linguista, filósofo e ativista político Noam Chomsky. A carreira literária, por sua vez, iniciada aos 19 anos de idade, cujos temas de predileção eram política, religião, cultura e sexualidade, pautou a sua vida. Considerado um dos grandes escritores da sua geração, chegou a dividir os holofotes com os também escritores Truman Capote (1924 - 1984) e, apesar dos desafetos, Norman Mailer (1923 - 2007), embora, como ninguém, ele soubesse – a seu favor uma inteligência ímpar – criticar a cultura e a política externa e a interna dos EUA com humor, elegância e sabedoria. A sua extensa bibliografia fala por si só. Ao todo, foram vinte e quatro romances, cinco peças teatrais, diversos roteiros para o cinema, mais de duzentos ensaios, memórias e textos outros. Ousado, Gore Vidal costumava dizer que na sua obra podia ser encontrada a fórmula mágica não aplicada nas aulas e nos livros sobre a História dos Estados Unidos, ou seja, a verdade. E que a economia dos EUA podia ser definida da seguinte forma: enquanto aos pobres era dado o direito à livre iniciativa, disputando entre si 20% das riquezas do país, o socialismo era um privilégio dos ricos, que se beneficiavam dos 80% restantes do Produto Interno Bruto (PIB) da nação. Para ele,“quanto mais dinheiro um americano acumula, menos interessante ele fica”, bem como os EUA não deveriam sair por aí dizendo que é a maior democracia do mundo. Afinal, nem democracia são: “Somos um tipo de república militarizada”. E que “qualquer americando preparado para disputar a presidência deveria, automaticamente e por definição, ser inelegível para isso”. Certa feita, ainda, Gore Vidal disse que, com o governo do presidente George W. Bush, de 2001 a 2009, os EUA perderam um dos maiores presentes que os ingleses deram ao país quando este deixou de ser uma colônia, que foi a sua Constituição, bem como a Carta dos Direitos (Blill of Rights), ou seja, as primeiras dez emendas da Carta Magna norte-americana. De lá para cá, então, nem se fala! Quando do atentado contra as torres gêmeas de New York, no dia 11 de setembro de 2001, Gore Vidal superou-se: não se limitou a comentar sobre o episódio de maneira superficial, mergulhou nas suas entranhas e o explicou, não omitindo nada, bem como acusou de equivocada a diplomacia do governo norte-americano. Resultado: foi banido da mídia do país. E só não o foi igualmente dos EUA porque, à época, morava na Itália, país que, décadas antes, havia escolhido como o seu porto seguro. Porém, em 2005, por motivos pessoais, retornou ao seu país de origem, apenas deixando-o, e definitivamente, quando, esta semana, por força maior e a sua revelia, retirou-se para mais um ensaio, embora, desta vez, ignore-se o seu paradeiro, mas que, com certeza, já deve está mais iluminado com a presença do escritor. Para o empresário Graydon Carter, editor de Gore Vidal, honra que ele considera uma das maiores alegrias da sua carreira, o mundo tornou-se um lugar mais burro com a perda de um dos maiores gigantes da literatura norte-americana...

Nathalie Bernardo da Câmara

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