terça-feira, 14 de agosto de 2012

MOTOSSERRA VIRTUAL OU “CAPITALISMO FOFINHO”...

“O uso acrítico das redes sociais pode ser visto como parte de um fenômeno mais abrangente, que diz respeito ao uso da tecnologia pela tecnologia, sem se ter consciência das ferramentas utilizadas e, assim, ficando sujeito a repetições infinitas do mesmo...”.

Giselle Beiguelman
Artista multimídia brasileira. Doutora em história da cultura pela USP (1991), Giselle Beiguelman é professora do programa de pós-graduação em comunicação e semiótica da PUC/SP. O sintoma ao qual a pesquisadora se refere é por ela chamado de “capitalismo fofinho”, ou seja, “um capitalismo em que tudo soa onomatopeico, feliz e redondinho, como os logos e os nomes das principais redes sociais da web 2.0”.


Que a internet ultrapassa fronteiras, diminuindo as distâncias, já se sabe; que é um instrumento de pesquisa e abre portas para novas possibilidades de trabalho, também já se sabe; que é um espaço que cria condições para se conhecer pessoas, se fazer amizades e reencontrar outras, capaz de minimizar os efeitos da solidão e da saudade, essa, então, nem sem fala! Ou seja, a internet é poderosa, além, é claro, de conferir poderes supostamente ilimitados aos seus usuários. Ocorre que, como invariavelmente acontece com tudo o que está associado ao poder, a internet é uma via de duas mãos – melhor dizendo, de tentáculos. E pode vir a ser, inclusive, uma temida faca de dois gumes – motosserra virtual respingando no mundo real. As redes sociais, por exemplo, cuja onda não para de crescer, tornou-se modismo ou, ainda, uma coqueluche incorporada aos inúmeros recursos da internet, influenciando – e muito – o comportamento dos seus usuários, já que cria novos hábitos, desmonta outros... Enfim! Solidifica uma cultura. O segredo, contudo, para tirar um bom proveito dos recursos da internet não reside na sua tecnologia, mas no uso que se faz dessa tecnologia. Afinal, a internet não é que uma ferramenta disponibilizada em larga escala para que dela façam uso. E é extremamente democrática: não discrimina nada nem ninguém. O problema é que muitos distorcem, digamos, essa liberalidade virtual, distorcendo igualmente – o que é mais grave – o próprio conceito de liberdade, não zelando, por exemplo, pela sua vida privacida. E, muitas vezes, não é nem o outro quem invade a sua privacidade. É o próprio usuário quem torna públicos momentos do seu cotidiano, da sua vida que, em muitos aspectos, deveriam ser preservados, permanecer no âmbito privado. Não que o que ele está comendo, por exemplo, não seja importante. Claro que é! Afinal, se não comermos, a tendência é ficarmos fracos, adoecermos e, em último caso, até morrer. Agora, daí socializar o ato de comer, o prato do dia e mesmo a cor do prato, bem como o seu formato... – um caso, convenhamos, que já se tornou clássico nas redes sociais. Ou seja, tudo é banalizado, inclusive o seu direito à privacidade.

Porém, se a mesma coisa, digamos, for feita num e-mail a um amigo, dentro de um contexto, obviamente, visto que o veículo substitui a antiga carta enviada pelos meios ditos tradicionais, a informação passada assume um novo caráter, já que, além de restrita, não desmerece a importância do fato e a sua privacidade permanece resguardada, não escrachada, como se tem visto por aí. E esse foi só um exemplo, que pode até, de repente, parecer bobo, embora não o seja, mesmo porque, na maioria das vezes, já está associado a um problema muito maior, que é o já tão em voga Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC), quando se perde por completo a noção dos limites, numa manifestação de ansiedade aparentemente incontrolável, apenas porque se tem à mão, digamos, um smarthopne ou mesmo um simples celular – é doentio. De qualquer modo, existem também os casos – e não são poucos – nos quais o usuário tem a sua privacidade invadida. Ele não procurou isso, mas procuraram por ele e, muitas vezes, essa busca não tem limites, sendo, assim, uma espécie de assédio virtual. E aí não resta ao usuário bloquear o remetente, tirá-lo da sua lista de contatos – isto é, quando ele nela está – etc. Um dos mais indesejados tipos de assédio, por exemplo, é o dos spams. Afinal, não é porque uma coisa é interessante para alguns que todos, automaticamente, também têm de achá-la interessante. No entanto, mesmo assim, e muitas vezes sabendo que tal informação não tem serventia alguma para uma dada pessoa, essa mesma informação termina sendo disseminada, aleatoriamente, seja através das redes sociais ou dos e-mails. Outra coisa também curiosa – outro exemplo – é que os candidatos políticos se acham no período eleitoral. E se acham, inclusive, no direito de invadir virtualmente a privacidade de quem quer que seja sem o menor dos escrúpulos, não respeitando critério algum. Tanto é que, esta semana, em consequência de uma ação judicial movida por um vereador de Florianópolis, Santa Catarina, que se sentiu ofendido por uma página criada por terceiros no Facebook, a rede social foi tirada do ar, no Brasil, por um período de 24 horas – maior absurdo e abuso de poder não poderia haver.

O dito vereador, contudo, em sua defesa, alegou que o teor da referida página estava denegrindo a sua imagem, comprometendo a sua reeleição. Ora, tenha dó! E o que é que a rede social tem a ver com isso? Sem falar que os autores da tal página têm todo o direito de criticar a política de quem quer que se arvore a pleitear um cargo público – está mais parecendo, como outro dia comentei neste blog, uma imitação barata do que está acontecendo na Rússia. Ou seja, as três integrantes de da banda musical russa, a Pussy Riot, encontram-se presas, aguardando julgamento, apenas porque, no dia 21 de fevereiro deste ano, num ato de protesto político, entoaram uma “oração punk” invocando à Virgem Maria que livrasse o país do seu atual presidente, o advogado Vladimir Putin, mas que, à época, estava em campanha eleitoral. Porém, no caso do vereador de Florianópolis... Já teria ele parado para refletir que, assim como todos os políticos brasileiros, usa e abusa do direito à propaganda eleitoral – direito esse, aliás, que é limitado? Ocorre que, por se achar, ele pensa que pode desrespeitar as legislações, todas, e sair por aí a fazer propaganda da sua candidatura como bem entender. Não, não é bem assim. Só que ele e a maioria dos candidatos querem que seja assim. Na verdade, eles invadem a privacidade de não importa quem e, invariavelmente, ao invés de conquistar o eleitor, terminam, por sua invasão, despertando a repulsa desse mesmo eleitor. Ora, a criatura esta em casa, quieta, na dela e, de repente, recebe uma propaganda eleitoral de alguém que, na maioria dos casos, nem conhece. Só que o candidato, qualquer um, considera tal prática normal. E não é. Chega a ser acintoso, mas, mesmo assim, temos de aceitar calados? Sei não, mas o ideal seria quem recebesse propagadas eleitorais em seu e-mail, por exemplo, e visse isso como uma invasão de privacidade, também denunciasse. Afinal, a lei não pode apenas beneficiar os candidatos, até mesmo os incautos, chegando ao cúmulo de um infeliz desse fazer bloquear uma rede social por 24 horas num país. É muita arrogância!

E os abusos das propagandas eleitorais só não são mais inconvenientes na televisão porque o telespectador tem a liberdade para mudar de canal, se tiver uma rede a cabo, é claro, ou, senão, desligar o aparelho. Na internet, contudo, sabemos que não é bem assim, já que o usuário/eleitor é praticamente açoitado por propagandas eleitorais, muitas das quais, aliás, veladas, como se as pessoas não soubessem discernir. E quando é um amigo ou um conhecido quem envia a propaganda, ou mesmo um spam com outra temática, coitado do usuário que pedir: não faça mais. Ele é quem termina passando por antipático, quando não é verdade. Desse modo, dependendo da suscetibilidade de quem enviou a propaganda ou o spam, o usuário que o recusou corre inclusive o risco de ser excluído de uma lista qualquer, sendo igualmente excluído, ou esquecido, quem não participa de uma rede social, quem não segue nem é seguido no twitter, como se todos, sem exceção, tivessem de ser uma Maria vai com as outras. Ou seja, na internet, os valores são todos invertidos. Isso sem falar nas ameaças dos vírus que, dia após dia, pairam sobre os usuários, indiscriminadamente, muitos podendo até se espalharem nos nossos computadores, contaminando-os, consequentemente, danificando documentos pessoais, íntimos ou de trabalho, e, em muitos casos, comprometendo o funcionamento da máquina, inviabilizando-a, provocando, assim, prejuízos vários. Não esquecendo, obviamente, dos riscos inerentes do desconhecido, também uma espécie de vírus, ou melhor, de predador, que, inicialmente virtual, quando se permite a sua transposição para o real, pode, muitas vezes, causar todo tipo de dano, igual foi noticiado outro dia, quando uma adolescente desapareceu após encontrar pessoalmente um homem que, até então, ela só conhecia através dos contatos que mantinha com ele na internet – casos como esse, aliás, ocorrem a 3x4 no mundo inteiro. Tem, contudo, quem dá sorte nessas paqueras virtuais, mas, infelizmente, tem quem não dá. Enfim! A internet está aí? Está. É só saber usá-la, mas desde que com prudência e responsabilidade. Caso contrário, ela pode engolir você...

Nathalie Bernardo da Câmara

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