sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

JOSÉ SIMÃO: — BLOGUEIRA CUBANA É SPAM!

“Soy una bloguera ciega…”.

Yoani Sánchez
Filóloga e jornalista cubana, que mantém o blog Generación Y, editado desde abril de 2007.


Vírus é algo que, de fato, cega, quando não provoca outras avarias... – perfeita, a frase do jornalista brasileiro. Bom! Não vou me prolongar, pois, depois que vi essa mulher, no Brasil, ladeada nos corredores do Congresso Nacional pelo que há de pior na escória política do país – haja redundancia! –, a gente até emudece… Depois de ler isso, então, Repórter desmacara blogueira cubana Yoani Sánchez em entrevista – entrevista essa publicada no site Portal Vermelho, datada do dia 25 de abril de 2010: http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=128182&id_secao=7

Enfim! Sem maiores comentários, opto por transcrever uma postagem publicada no dia 11 de março de 2010 por uma amiga no seu próprio blog – ouvi essa história, que ela mesma me contou, acho que em 2000, quando, à época, nos conhecemos, na Brasília de JK…


Cuba. Por Joana.


Fui à Cuba em 1998. Fiquei hospedada na casa de uma típica cubana no bairro de Santa Catalina. Ela se chama Lourdes e seu filho Jorge. Lourdes trabalhava no departamento de turismo do governo cubano e seu filho fazia faculdade de medicina, hoje já deve ser médico. Eles me buscaram no aeroporto no carro de um vizinho. Minha primeira impressão ao sair do aeroporto pode parecer chavão, mas foi uma cena com cara de Cuba. Um calor absurdo, muitas pessoas amontoadas do lado de fora esperando os turistas, um cheiro de charuto no ar e muitos negros. Saí meio perdida e fiquei procurando alguém com o meu nome escrito. Encontrei a Lourdes. Loura com os cabelos curtíssimos, olhos claros e muito queimada de sol. Bonita, magra, mas uma pele com cara de mal tratada, judiada. Carinhosa me abraçou e fomos para sua casa.

Ela morava em um bairro nos arredores de Havana, com prédios de cinco andares e escadas pelo lado de fora. O estacionamento parecia uma exposição de carros antigos, mas eram os carros de uso dos moradores. Embaixo da portaria tinha umas ovelhas dormindo, amarradas a um poste. Ao chegar em casa ela serviu o almoço. Me disse que era uma comida típica de Cuba. Eram pamonhas, idênticas as nossas. Eu ri e disse que também era típico no Brasil e falei como chamávamos. Depois do almoço, abri minha mala e ingenuamente lhe entreguei um CD do Caetano Veloso. Ela, com jeito, me disse que não teria como ouvir, mas que deixaria de enfeite na estante para quando surgisse a oportunidade. Perguntei se ela não conhecia alguém que tivesse um aparelho de CD e ela disse que infelizmente não.

À noite fomos ver uma novela cubana na casa de um vizinho. Era muito engraçada, o cenário pobre e a estória era numa floresta com uma filha de um lenhador. A sala estava simplesmente lotada. Me sentei no canto, no chão ao lado de Lourdes. A porta da casa estava aberta e algumas pessoas assistiam em pé. Todos conversavam alegremente durante a novela. No intervalo comentaram comigo sobre a novela brasileira, Mulheres de Areia, que estava passando em Cuba. Queriam saber quem ficava com quem, se o Tonho da lua morria e outros detalhes. E eu não lembrava de nada, nem quem era a boa, se era Ruth ou Raquel. Percebi durante os dias que passei ali, que as portas dos apartamentos ficavam todas abertas e que eles entravam um na casa do outro, a toda hora, como se o prédio realmente fosse uma casa só.

Sai com Lourdes algumas vezes para passear. Íamos de mobilete, seu meio de transporte. Certa vez fomos ao mercado semanal e voltamos com as sacolas penduradas ao guidon. Andar por Havana de mobilete foi a melhor forma de conhecer a cidade. A lambretinha vermelha andava devagar e Lourdes gentilmente fez vários passeios turísticos comigo, além de andar pelas ruas, entrando entre várias, onde eu senti total o clima deles: muita gente nas portas, grupos conversando, povo alegre, sentado nas calçadas, andando entre carros bem antigos, muitas motos com aquele lugar do lado acoplado e bicicletas. As ruas lotadas de pessoas. A maioria, negros. Fui algumas vezes numa loja de uma amiga de Lourdes. Era como uma cabana destas de teto de palha, com cara de praia. Dentro tinha roupas confeccionadas em Cuba, sorvete cubano e outras coisinhas, tudo de lá. A gente ficava lá papeando.

Também saí com seu filho Jorge, de ônibus. Fomos até o centro da cidade, onde eu ia comprar uma calça jeans, em um hotel, para ele. No caminho até a parada do ônibus percebi que nos canteiros das ruas crianças e adolescentes jogavam beisebol. Ficamos quase duas horas na parada. Perguntei que horas o ônibus passava e ele disse que não tinha como saber, teríamos que esperar. Entramos num ônibus com cara de carro de exército, com as janelas pintadas. Lotado, as janelas abertas e as pessoas penduradas. No trajeto vi que eles usam caminhão também como transporte coletivo. Loucura. No hotel não deixaram o Jorge entrar. Mostrei meu passaporte e disse que ele estava comigo, mas o segurança disse que não podia. Ele ficou do lado de fora me olhando pela parede de vidro. Tentei ir rápido, entrei numa loja, comprei a calça jeans, depois passei ao lado de um velhinho que ficava sentado dentro do saguão do hotel, numa mesinha, fazendo charutos. Comprei duas caixas para dar de presente, passei numa outra lojinha, comprei algumas garrafas de rum e sai. Voltamos de táxi, um carro preto bem velho. Ao chegar em casa ele experimentou o presente. Chegou na sala e eu e a Lourdes nos espantamos, pois estava enorme! Ai que tristeza me deu. Que absurdo, por que ele não pôde entrar comigo para experimentar? A Lourdes me conformou, disse que uma amiga ajustaria.

Apesar das dificuldades de se viver em Cuba, o que vi foi um povo que parecia feliz, mesmo com uma realidade absurdamente diferente. Me senti quase em outro planeta. Pessoas inteligentes, com muita cultura e informação, vivendo de uma forma muito simples. Na geladeira de Lourdes (que era bem antiga) só tinha banana, pimenta e açúcar. O pão de manhã eram torradas secas, sem manteiga nenhuma. Lá não havia, ela me disse. Fazia compra uma vez por semana no grande mercado público. Tinha o básico. Vez por outra faltava sal por um período, em outros faltavam outros produtos. O vaso sanitário não tinha a tampa. Se eu soubesse teria levado uma para ela. Fui despreparada. Não sabia que encontraria aquele cenário. Aliás, em todas as casas de cubanos que fui, percebi que os banheiros todos eram assim, com o vaso só na cerâmica. O banho era frio. No banheiro reparei que só tinha uma pedra de sabão, nada de sabonete ou shampoo. Um cano era o chuveiro. Uma vez por semana faltava luz. Lourdes era muito gentil, a noite perguntava se eu queria que ela esquentasse uma água para eu tomar banho. Mas o calor era tanto que não havia necessidade.

Fui na Casa da Música, ou Palácio da Música, não me lembro. Muito legal, um lugar lindo, prédio grande antigo. Fui com Jorge e sua namorada. Teve um show de Salsa com várias bandas, começando por uma formada por crianças pequenininhas, tocando percussão. Uma graça. Tomamos rum, dançamos, foi maravilhoso. Nos dias que estive lá, comemos bem. Levava eles para almoçar fora, numas casas que cozinham para turistas, lagostas e outras delícias. Também conheci uma cidadezinha no interior, San Antonio de Los Bãnos, onde fica a Escola de Cinema. Alto nível. Gente do mundo todo. Na verdade eu tinha ido a Cuba para fazer um curso de um mês em Los Bãnos, mas acabei resolvendo voltar com a Lourdes para Havana. Minha cabeça não estava legal para ficar.

No dia de voltar para o Brasil, fui embora de Cuba quase só com a roupa do corpo. Deixei tudo para Lourdes. Roupas, perfume, shampoo, cremes, tinta de cabelo e tudo que achei que valia à pena deixar. Para mim foi uma viagem inesquecível, que mudou minha cabeça. E acreditem, não foi para o mal. Não fiquei chocada ou com raiva do governo Cubano. Mas acho sim que já passou da hora de mudar. O regime precisa abrir mesmo, dar liberdade para as pessoas. Porém senti claramente que eles amam o Fidel e ninguém fala mal dele. Todo mundo sabe como ficam as ruas quando ele discursa (ou discursava). Tudo pára. As pessoas se agromeram aonde tiver uma televisão. Eles o amam. Deve haver, um outro lado, não? Quem viveu lá antes da entrada de Fidel, lembra que o país tinha se transformado em um parque de diversões dos EUA. Por isso eu acho que é muito difícil criticar Cuba. Mas enfim, debater sobre o Fidel não é meu interesse neste post. Quem sabe num próximo.

Queria apenas dizer que esta foi a viagem mais importante da minha vida. Aprendi coisas que nem sei explicar. Valores humanos que jamais veria em outro lugar. Fui ao Malecon, escrevi meu nome na parede da Bodeguita Del Médio, visitei prédios, monumentos, museus. Fiz os passeios turísticos todos (só não fui a Varadero). Mas o mais importante para mim foi conviver com os cubanos. Não sei como eles estão hoje. Talvez alguém leia este texto e diga que foi lá e não viu nada disso. Acho que quem fica hospedado num hotel não percebe algumas coisas.

Parti com saudade e gostaria de voltar. Não achei triste nem sai criticando. Juro. Não sei explicar ao certo o porquê. O sistema de saúde é muito bom. Não existem analfabetos, enfim, mas não foi por isso que eu sai com vontade de defender Cuba. Algo muito subjetivo mexeu comigo. Faz mais de dez anos que estive lá. E acho que ainda não elaborei tudo que vi. Sei que não pude enxergar as coisas de um lado só. Até hoje me emociono quando assisto o documentário “Buena Vista Social Club” e vejo aquelas imagens das ruas de Havana, como uma cidade pós-guerra, tudo muito velho e destruído, em contraste com os carros de milionários.

A felicidade deles é intrigante. E verdadeira. Mesmo sabendo que seus carros velhos, suas geladeira, nada é no nome deles (tudo é do governo), mesmo sabendo que um médico ganha o equivalente a 20 dólares, mesmo vendo um cenário que as vezes parece de filme de época. Mesmo vendo que eles guardam qualquer pedacinho de papel pra usar, porque lá falta tudo. Mesmo assim não dá pena nem revolta. Estando lá a gente entende. Não sei explicar como. É uma visão romântica? As coisas mudaram muito em dez anos? Não sei. Mas por favor, me entendam. Amei Cuba e acreditem, gosto do Fidel também.

O link?



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