quarta-feira, 1 de maio de 2013

PEC 37, PEC 33... QUEREM PEGAR NÓS!


Sabemos que a justiça é cega, mas também estão tentando deixá-la muda!

Por Fabricio da Mata Corrêa*
Advogado criminalista brasileiro (OAB/ES - 17.532).


Não é de hoje que se discute o poder investigatório do Ministério Público (MP) e, embora a discussão já se assentasse com certa tranquilidade no meio jurídico, entendendo a maioria que, de fato, o MP tem, sim, essa discricionariedade, toda essa aparente tranquilidade teve fim após apresentação do projeto de emenda constitucional nº37, recentemente polemizado como a malfadada “PEC da IMPUNIDADE”, que dentre seus objetivos está o de limitar de forma absoluta o poder investigatório do Ministério Público.

Pois bem! Nota-se que, atualmente, o tema está longe de um consenso, principalmente dentre os parlamentares. Mas, a questão é muito mais complexa do que possa parecer e, na verdade, a discussão que se coloca serve tão somente para ocultar o verdadeiro objetivo da proposta, colocando-se de um lado o Ministério público, que defende ter direito de exercer meios investigativos, e de outro a polícia judiciária, que avoca para si a função investigativa.

Ocorre que ainda que pareçam estar brigando por um único direito, importante esclarecer que essa discussão, ou mesmo essa “disputa” entre MP e polícia, é por certo desnecessária e só torna mais distante a obtenção de uma democracia efetivamente plena. A questão, na verdade, não deve ser vista como uma disputa, mas, sim, como uma possibilidade de se otimizar as técnicas e os métodos investigativos. O direito de investigar que possui o MP não deve ser confundido com aquele que, na verdade, é dever da polícia – por isso podem coexistir perfeitamente.

A polícia judiciária, como todos sabem, possui a árdua tarefa de investigar, colher e levantar todos os elementos possíveis relacionados à prática de determinada infração penal, assim o fazendo justamente para que o Ministério Público, no exercício de sua função constitucional, possa, se for o caso, movimentar uma ação penal. Sendo assim, por que não possibilitar que polícia e MP colham todas as informações possíveis sobre a prática de determinado fato?

Não obstante, ao fato da polícia judiciária exercer o papel investigativo, não se pode olvidar que, justamente por ser o dono da ação penal, é o ministério público aquele que melhor pode estar contribuindo para que a investigação alcance efetivamente o fim almejado, isto é, possibilitar que o promotor decida pela denúncia ou pelo arquivamento.

Agora, o que não se admite, em nenhuma hipótese, é que o promotor de justiça, lhe sendo conferido o poder de averiguação preliminar, tome para si, tão somente, o espírito de inquisidor, comumente visto nas figuras emblemáticas de acusador, exercendo esse direito de investigação a fim de, sobretudo, buscar provas para uma possível acusação. Posto que, se assim fosse feito, estaria o promotor verdadeiramente se desvirtuando de sua função e, por mais platônico que isso possa parecer, deixando de ser um promotor de justiça.

O promotor, enquanto fiscal da lei, pode, sim, exercer certos atos com cunho investigativo. Porém, ele deve fazê-lo de forma a estar preparado a aceitar que o fruto dessa investida possa tanto corroborar para sua expectativa como ainda desconstruir tudo aquilo que primeiramente se imaginou.

A bem da verdade, ao invés de se discutir e tentar limitar a atuação do MP, melhor seria se criassem outras maneiras a fim de tornar mais próxima a atuação investigativa deste órgão com relação a polícia. Se o objetivo de um inquérito policial é, de fato, fornecer o mínimo necessário para que o promotor forme sua opinião sobre um caso, por que não permitir que, além de iniciar a ação penal, possa também participar da investigação?

Noutro quadro, até mais importante do que se discutir se o MP pode ou não realizar investigação, seria, de fato, promover uma reforma no Código de Processo Penal, retirando do seu corpo todo ranço de inquisitoriedade que ainda vige ali, como, por exemplo, o poder instrutório que é conferido ao juiz no artigo 156.

Pasmem! Questionam na “PEC 37” o poder investigativo do promotor de justiça e ignoram completamente a possibilidade que a lei confere ao juiz de também produzir provas. O que é mais grave nesse quadro: um promotor que investiga uma situação para formar uma opinião sobre ela ou um juiz que busca uma prova para condenar, posto que, do contrário, ele já seria obrigado a absolver? O que é mais grave?

Não se nega que o promotor de justiça é, sim, o “dono” da ação penal, ou seja, a Constituição resguardou para ele o direito de ingressar em juízo para cuidar das ações penais públicas. Pois bem! Por outro lado, essa mesma Constituição também disse que a prática investigativa é, sim, função típica da polícia. O delegado enquanto presidente do inquérito policial tem pleno direito de conduzir as investigações da forma que melhor considerar. E isso em nada será prejudicado se, em paralelo, o MP realizar determinadas empreitadas, diga-se, de forma autônoma.

Até porque, conforme é sabido, o inquérito policial é uma peça meramente informativa, ou seja, o promotor de justiça não é dependente dela para exercer seu direito de ação penal – muito pelo contrário! Se, porventura, ele obtém, por outros meios –  diga-se – lícitos, elementos suficientes para indicar a existência da justa causa, poderá oferecer denúncia tão logo isso lhe seja posto.

De toda sorte, voltando os olhos para a “PEC 37”, não há dificuldade, ou mesmo dúvidas, em dizer que ela não merece prosperar, uma vez que, no referido projeto, está claro que a discussão não se refere verdadeiramente entre MP e polícia judiciária. Adiantando a conclusão, a referida “PEC” trata-se de uma afronta ao Estado democrático de direito, não da forma que conhecemos, mas da forma efetivamente prevista no texto constitucional.

Por de trás de toda essa discussão envolvendo a “PEC 37”, há um ponto que deve ser dito. O legislativo brasileiro vem há muito tempo prestando um grande desserviço ao país, seja por não cuidar das matérias que verdadeiramente são necessárias, ou, de outro modo, por aprovar leis desnecessárias e completamente descabidas, que, de comum, só possuem o mesmo cunho eleitoreiro.

É notório que a casa legiferante do país há muito não olha para as necessidades do povo, pois enquanto seus membros preocupam-se com questões secundárias, como, por exemplo, os mais de três mil vetos que seriam votados do dia para a noite só para que a questão dos royalties fosse decidida; enquanto sopesavam questões como essa, brasileiros morriam e ainda morrem esperando por vagas em hospitais, assim como muitas crianças esperavam e ainda esperam por vagas em creches e escolas. Esse, infelizmente, tem sido o legislativo brasileiro.

Asseverando ainda mais essa questão, está o fato de que por não exercer como deveria o seu papel (criar leis), uma dessas leis, mais cedo ou mais tarde, sempre acaba chegando à porta do judiciário para que este decida se ela é ou não constitucional – assim foi com os fetos anencéfalos e assim será com muitas outras matérias que aguardam atenção. Notem: ou o legislativo simplesmente não aborda o assunto ou o faz de forma imprecisa.

Destarte, ainda nessa questão, vale, contudo, trazer a tona o teor da “PEC 33”, que tem se apresentado como uma clara afronta ao princípio da separação dos poderes. Isso porque o referido projeto de emenda constitucional, visando anular completamente o poder do STF, estabelece que as decisões da Corte sobre a constitucionalidade (ou não) de emendas constitucionais sejam, todas, subjugadas ao congresso, além, ainda, da referida PEC visar alterar o quorum de votação dentre os ministros.

Isso não só beira ao absurdo como, certamente, ruboriza e mancha a imagem do Brasil no cenário mundial, pois resta claro como o sol que isso nada mais é do que uma tentativa desesperada do legislativo de se blindar contra possíveis decisões do STF.

O porquê dessa atitude é fácil de entender, desde que observado o quadro geral da questão. Depois do que se viu com os envolvidos no caso “mensalão”, ficou claro que o judiciário não será conivente com nenhum ato de corrupção ligado ao legislativo. Principalmente porque, depois de decidida a condenação de alguns dos envolvidos, o Congresso ainda tentou impedir que alguns parlamentares, após condenados, perdessem seus respectivos mandatos, o que foi desde logo rechaçado pelo Supremo.

Da mesma forma que a sociedade parou para ver a condenação dos acusados no processo do “mensalão”, também está, agora, tendo a possibilidade de ver um legislativo completamente temerário depois da postura assumida pela Corte Suprema.

Isso deixa claro que a questão envolvendo a “PEC 37”, lembrando ainda da “PEC 33”, não diz respeito tão somente ao MP e a Polícia Judiciária – objetivo muito mais claro no primeiro projeto é diminuir a força do MP, uma vez que, se retirando deste a possibilidade de se investigar, muitos casos deixarão de ser descobertos. Assim, como no segundo, muitas decisões emanadas da corte maior, simplesmente perderão eficácia, não por força de recurso, mas, sim, pela ingerência de outro poder.

Conforme já dito, não há nenhum problema que, aliado ao que é feito pela polícia, possa o MP contribuir com as investigações, até porque não faz sentido em deixar o promotor de lado, apenas o chamando para pedir renovação do prazo de investigação. Outrossim, não faz sentido que esse mesmo promotor tenha que requisitar uma determinada diligência, quando, na verdade, já poderia tê-lo feito. Por exemplo, o MP gostaria de ouvir determinada pessoa. Por que não autorizar que ele faça essa oitiva, ao invés de determinar que o delegado a faça na delegacia? Olhe o tempo que se perde com isso!

Importante esclarecer, até para se colocar um fim nessa discussão, que independente de quem exerça a investigação, isso, de fato, pouco importa para o processo penal, pois aquilo que é levantado na investigação não se reveste automaticamente com o status de prova. O elemento informativo que é colhido na investigação só passará a ser visto e entendido como prova, sob o manto do contraditório e da ampla defesa, depois que for reproduzido no processo. Só assim é que passará a ser prova. Logo, qual a diferença de quem o produza?

Desta forma, é fácil a conclusão de que não há óbice em se permitir que tanto polícia e MP exerçam, dentro de seus respectivos limites, certos atos investigativos. Até porque, conforme já foi dito, o cerne da questão não está entre essas instituições, mas, sim, no fato de que um dos poderes da República Federativa do Brasil esta desejoso de se sobrepor aos demais.

*A pedido meu, o advogado Fabricio da Mata Corrêa, que se tornou um amigo querido, escreveu o artigo acima com exclusividade para o meu blog, acatando, ainda, a minha sugestão da chamada e a da ilustração. Que dobradinha! rs

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