segunda-feira, 14 de outubro de 2013

PIERRE LÉVY: FACEBOOK NÃO SERVE SOMENTE PARA A “FESTINHA DE ONTEM”...



Por Betania Caneca
Globetrotter e promotora cultural brasileira, em artigo publicado no blog homônimo, dia 23 de agosto de 2012.


Facebook não é só para as fotos da festa de ontem: é o alerta do filósofo [francês] Pierre Lévy, ele mesmo um usuário do Facebook, do Twitter e de outras redes sociais. Porém, do jeito certo: — Eu leciono em uma universidade e uso as mídias na minha sala de aula. Ensino a maneira correta de usar essas ferramentas para intercâmbio de conhecimento, colocação (no mercado) etc. Para muitos alunos, o Facebook é só para colocar foto da festa de ontem e eu tento ensinar outras maneiras. Qualquer professor pode e deve fazer isso, disse o filósofo.

Por trás das fotos da farra de ontem se escondem riscos às vezes desconsiderados pelos usuários, alerta Lévy: — A internet é um espaço público, sem restrições, mas com os seus próprios perigos. As pessoas não podem se esquecer disso. É preciso ter muita atenção ao que fazem na internet, porque tudo o que você grava é registrado. É muito particular (o uso da internet), mas a internet não é particular, não existe isso.

Censura não, bom senso.
Apesar do alerta, Lévy dá a entender que pior do que ser livre demais seria não ter liberdade alguma: — Se as pessoas querem se expor, elas têm o direito.

Questionado sobre um possível controle nas publicações da rede, Lévy afirmou que é contra qualquer tipo de censura, porém é a favor do bom senso para que a inteligência coletiva – um dos conceitos centrais da sua filosofia – não seja cerceada: — O único limite da internet é o respeito à lei e tudo que tem a ver com morte, pedofilia, raiva... Sou contra todo controle político. Tudo que tem a ver com conteúdo de conhecimento, por exemplo, artigos científicos, ou tudo o que foi criado com dinheiro público deveria ser de livre acesso na web, e isso não acontece.

Considerado um dos maiores nomes da filosofia da informação da atualidade, Lévy esteve hoje no R.I.A. Festival, evento organizado pela Fundação Telefônica, onde participou de um debate, intitulado A Construção da Cultura Digital – Estética de uma nova sociedade.

Na palestra, realizada no auditório do Parque do Ibirapuera, em São Paulo, o pensador falou a respeito dos rumos da internet na sociedade contemporânea, passando por pontos importantes como a inteligência coletiva, o compartilhamento de conhecimento para melhorar as condições de vida dentro da sociedade.

Fontes de informação
Entre as fontes de informação utilizadas por pesquisadores e, principalmente, por jovens que ainda estão nas escolas para compor esse sistema, Lévy ressaltou a Wikipedia. Para o filósofo, a enciclopédia aberta não é uma fonte, mas sim uma maneira de iniciar uma pesquisa, uma ferramenta que pode dar o rumo certo ao trabalho: — Eu digo aos meus alunos que podem usar como início para as pesquisas, como qualquer enciclopédia, mas você não pode copiar o que encontrou. É só o ponto de partida.

O mesmo princípio se aplicaria às mídias sociais.
— As instituições têm Facebook, Twitter, mas, do ponto de vista prático, deveríamos considerar que as pessoas que seguimos ou que nos seguem são atores nesse jogo da comunicação. A rede é a plataforma onde esse jogo acontece, mas não é uma fonte. É muito importante porque há uma série de fontes dentro dessas mídias, mas, não a própria mídia, explicou.

Desde as fontes aos meios, Lévy defendendo a ideia de que nós mesmos somos responsáveis e capazes de modificar e melhorar nosso estilo de vida: — A inteligência coletiva não é um objetivo, mas a forma de resolver problemas. Sabemos que temos problemas e nunca haverá uma sociedade em que não existem problemas. É uma condição humana, mas, também, é parte da nossa condição humana resolver esses problemas. Há muitos professores que criticam a sociedade, mas acho que há pessoas suficientes fazendo isso. Tento assumir um papel diferente, que mostra algo mais adiante, mais longe, mas que sabemos que, naquela direção, há esperança.




O filósofo da web


Pioneiro da internet, Pierre Lévy faz projeções sobre a sociedade na era digital


Por Jaqueline Gutierres
Entrevista publicada na revista Cult, em agosto de 2011, edição 160.


Um dos primeiros pensadores a refletir sobre a internet, Pierre Lévy, 55, estará no Brasil no final de agosto para participar da 14ª Jornada de Literatura de Passo Fundo (RS).


Criador de termos hoje triviais, como cibercultura e ciberdemocracia, e professor na Universidade de Ottawa (Canadá), ele falou à CULT sobre interatividade e o futuro da web, temas de que já tratou em obras como Cibercultura (Editora 34) e A Inteligência Coletiva (Loyola).



CULT – Seu livro Cibercultura foi lançado em 1999. Mais de dez anos depois, você acha que algumas das projeções que fez na obra se realizaram?


PIERRE LÉVY – Minha principal projeção realizada é a do crescimento das comunidades virtuais, hoje conhecidas como mídias sociais.
Outra diz respeito à transformação da mediação cultural: nós vemos atualmente que as funções dos jornalistas, publicitários, curadores, críticos, bibliotecários etc. podem ser realizadas por qualquer pessoa on-line. Além disso, podemos perceber que, por mais que as pessoas usem a internet, elas continuam se encontrando pessoalmente.
Penso também que eu estava certo ao interpretar a cibercultura não como uma cultura de gueto compartilhada apenas pelos fãs do digital, mas como a cultura compartilhada por todos na era digital.


CULT – Você consegue projetar mudanças para os próximos anos na vida das pessoas que usam a internet diariamente?


PL – Primeiro acredito que todos usarão a internet todos os dias, mesmo sem consciência disso. Segundo, acho que tudo e todos possuirão uma “aura semântica” aumentada ou uma realidade virtual que refletirá sua própria atividade cognitiva ou a atividade cognitiva das pessoas em relação a ela.


CULT – Para tornar possível a existência de sistemas como a “Árvore do Conhecimento”, o que precisa acontecer? Quanto tempo isso levará?


PL – O que está em jogo aqui é uma profunda mudança cultural em relação ao conhecimento e ao reconhecimento de competências.
Em vez de pertencer às escolas e universidades, o reconhecimento de competências passará a ser profundamente distribuído em toda a sociedade e as comunidades passarão a pensar sobre si mesmas como “inteligências coletivas”.
Isso acontecerá daqui a duas ou três gerações, no máximo.


CULT – Você afirma que, em termos técnicos, a internet possibilita a existência de uma “ciberdemocracia”, com o aumento do acesso a informações governamentais e da interação entre o governo e a sociedade civil. Isso pode funcionar na prática? Como?


PL – Isso já funciona. Os governos atualmente são muito mais transparentes do que eram 20 anos atrás, graças aos sites oficiais e aos dados públicos. Além disso, as discussões públicas, ou seja, a parte deliberativa da democracia, já têm sido reforçadas pelos diálogos em blogs e mídias sociais.
No futuro se verá um novo tipo de estratégia política, usando transparência, discussões públicas e inteligência coletiva como armas.


CULT – Qual a sua opinião sobre os direitos autorais e as polêmicas quanto à internet, especialmente em relação ao compartilhamento ilegal por um lado e aos sites que permitem a modificação e comercialização dos conteúdos por outro, como o creative commons?


PL – Acho que nós estamos lentamente caminhando para um tipo de comunismo da informação e do conhecimento.
Mas acho que deveríamos acompanhar de perto as contribuições culturais das pessoas e recompensá-las por isso, com dinheiro ou reputação.


CULT – Com as novas tecnologias, com o aumento no número de blogs e o fortalecimento das redes sociais, o que pode mudar na função dos jornalistas? Ela deixará de ter sentido com o tempo?


PL – Acho que a função do jornalismo será cada vez mais importante, incluindo o uso das bases de dados na profissão.
Mas saber se essas funções jornalísticas continuarão sendo cumpridas por jornalistas profissionais é ainda uma questão aberta. Nós devemos imaginar agências de notícias poderosas funcionando com base em crowdsourcing.


CULT – As pessoas podem usar a internet de diferentes maneiras, boas ou ruins. Em sua opinião, isso é apenas consequência da liberdade que provém da rede ou você acha que deveria haver monitoramento?


PL – Eu sou contra qualquer censura governamental na internet, especialmente quando se trata de opiniões políticas dissidentes.
Mas entendo que alguns proprietários de plataformas decidam desligar as mensagens ou as pessoas que se dedicam a atividades ilegais ou hediondas.

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