terça-feira, 25 de março de 2014

BRASIL: EM BUSCA DE UMA IDENTIDADE

 Anastácia revisitada
(postagem publicada numa dada rede social).

“O homem nada mais é do que aquilo que ele faz de si mesmo...”.
Jean-Paul Sartre (1905 - 1980)
Filósofo e escritor francês


Indignação ainda revirando as tripas, como diria um amigo francês, aliada à revolta diante da barbárie que, outro dia, frutos podres da sociedade, abjetos e bestiais, a escória, cometeram contra um ser humano, genuinamente indefeso, mas que, devido à inoperância de um sistema caduco, excludente por excelência, findaram sendo amparados pela impunidade reinante no Brasil. E em todos os níveis – ainda sem estômago, portanto, para discorrer sobre o episódio, deixo a incumbência para a jornalista brasileira Ruth de Aquino, que, nos dias 18 e 21 do corrente, publicou os artigos abaixo na revista ÉPOCA.


Será o começo do fim da PM?

 O corpo é de uma mãe de quatro filhos, executada por PMs a tiros quando ia à padaria numa favela do Rio (Foto: Imagem de vídeo amador divulgada pelo jornal EXTRA).


Cláudia Ferreira da Silva, 38 anos, era auxiliar de serviços gerais e cuidava de quatro sobrinhos, além de criar os quatro filhos. Morava no Morro da Congonha, em Madureira, no Rio de Janeiro, com a criançada e o marido. Saiu para comprar pão e mortadela no domingo (16) com R$ 6 e levou três tiros de curta distância. Tinha na mão um copo de café.

Foi jogada sem cerimônia nem pudor na caçamba de uma patrulha, e o porta-malas abriu no caminho do hospital. Seu corpo foi arrastado por 250 metros. Não se sabe se já havia morrido antes da queda. Mas estava morta ao chegar ao hospital. Para a família, foi dito que ela estava na sala de cirurgia, segundo depoimentos de parentes.

Os dois subtenentes responsáveis pela patrulha, Rodney Miguel Arcanjo e Adir Serrano Machado, já haviam sido indiciados antes por homicídio. Os dois e o sargento Alex Sandro da Silva, que também estava no carro, foram presos “disciplinarmente” na segunda-feira (17). O que pode não dar em nada.

Tudo errado. Tudo errado mesmo. Do início ao fim. Da ação ao “socorro”. Se fosse para salvar Claudia, ela teria sido colocada no banco traseiro do camburão. Não adianta treinamento para esses PMs. É subtenente, é sargento, e não sabe o que fazer numa hora dessas? 

— Trataram minha mulher que nem bicho – disse o vigia Alexandre Fernandes da Silva, 41 anos, marido de Claudia. “Nem o pior traficante do mundo merece esse tratamento que ela teve”. Ele disse ter visto o corpo dela no hospital, em carne viva. Claudia e Alexandre completariam 20 anos de casamento em setembro. Estavam juntos desde que ela tinha 18 anos.

Sempre fui a favor das UPPs. Perdi a conta de tudo que escrevi a favor da política de pacificação. E escrevi indo a campo, não de gabinete. Tanto na Colômbia quanto em favela carioca.

Foi a primeira vez, de verdade, que o Rio tentou um programa amplo de reconquista de territórios e fortalezas de traficantes, com o menor número possível de mortes. Ideal nunca foi, mas é um projeto de longo prazo, que precisa ser adaptado aos poucos, porque a todo momento surgem falhas de processo ou humanas. Até agora, não apareceu ninguém com proposta melhor, mais estudada e mais sensata. Milagres não existem, depois de tantas décadas de omissão e desmandos na área de Segurança. 

Só é contra o projeto quem não tem memória. Também tentam torpedear as UPPs os candidatos à eleição que querem ver o circo pegar fogo para se dar bem. São contra as UPPs os políticos que nunca fizeram nada para melhorar a segurança no Rio e se aliaram a bandidos quando estavam no Poder. Os traficantes também são contra as UPPs, claro. E também são contra as UPPs os PMs que achavam tudo ótimo antes... levando grana de tudo que é lado. Corrupção, brigas de gangue, armas contrabandeadas, jornalistas executados por traficantes, pedágio cobrado a moradores, jovens armados de fuzis nos supermercados, favelas invadindo áreas de risco ambiental... uma beleza... tudo sob o olhar complacente ou até cúmplice de alguns governantes.

Pelo menos uma vez na história, o Rio teve um secretário de Segurança sério, José Mariano Beltrame, ao mesmo tempo duro, atento aos problemas sociais das favelas e aberto a mudanças de procedimento. Disposto a saber que não podia prometer que acabaria com o tráfico. Seu esforço para tornar a PM uma instituição respeitável foi imenso. Milhares de policiais foram expulsos da corporação. Cursos de filosofia, gente enviada para o exterior para conhecer como procede a polícia sem fuzil. E mais policiais não estão presos porque a Justiça não contribui e acaba soltando. 

Mas essa cena aí de cima, com a Cláudia sendo arrastada, é MORTAL. Mortal para qualquer um que comande a PM carioca. Mortal para o futuro da corporação. Esse pessoal está fora de controle.

As autoridades policiais – incluindo Beltrame – reclamam que a sociedade não protesta com a mesma indignação quando um bandido mata um PM. Acho terrível o policial morrer em combate (sim, porque vivemos uma guerra) e deixar órfãos os filhos, a cargo de uma viúva descrente e infeliz.

Mas é preciso ter algo em mente: um bandido, por definição, mata. Por isso é bandido. Um traficante mata. Um assaltante mata. E, se mata inocentes desarmados como nós, por um celular, uma bicicleta, um relógio ou um carro, é claro que matará policiais. Não é desvio de conduta, está previsto, está escrito na carteirinha de “homicida delinquente e marginal”.

Os PMs – está escrito na função deles – existem para proteger a sociedade contra criminosos. Da mesma forma que não se aconselha a população a linchar e matar bandidos, porque isso é barbárie, a PM não pode ter em suas fileiras “elementos” como esses, homicidas de farda. Nem como exceções. E tem havido exceção demais. Vão “pacificar” assim na China!

Tudo errado.

Errada também a demora oficial em se pronunciar contra os PMs covardes e incompetentes. Errada ainda a ausência de autoridades no velório e enterro de Cláudia.

Isso nos leva a outra pergunta: vamos começar enfim a debater seriamente o fim da PM, já que homens fardados e armados, a serviço do Estado, ainda se sentem livres para achacar traficantes, matar inocentes e voltar às ruas depois de um período “disciplinar” como se nada tivesse acontecido? 


Enquanto isso...

 “Ninguém pode esquecer essa merda – acabei de pintar...”.

Rafaella Nepomuceno
Artista visual brasileira, numa postagem publicada numa dada rede social.


Você confia em alguém?

 

Na versão de Dilma? De Alckmin? No governo? Na oposição? Na polícia? Em quem acreditar?


A confiança é a base das relações. Em casa ou no trabalho, na família, no amor, na amizade. Quando se perde totalmente a confiança, por uma sucessão de mentiras, incompetências ou traições, fica difícil até acreditar na verdade. O Brasil vive hoje uma crise profunda de credibilidade das instituições, das empresas e dos governantes. É ruim para o país, é péssimo para nossa autoestima como brasileiros e, em ano eleitoral, provoca uma baita insegurança.


Você acredita na versão da presidente Dilma Rousseff sobre o monumental escândalo da compra bilionária da refinaria de Pasadena pela Petrobras? Você acredita que Dilma, então ministra da Casa Civil, foi traída pelo Conselho que ela mesma dirigia? Você acredita que Dilma, com todo o seu rigor de gerentona, assinou um negócio de mais de US$ 1 bilhão sem conhecer as cláusulas, apenas com base num parecer “técnico e juridicamente falho”, segundo a nota do Planalto?

Você acredita nas boas intenções da Petrobras? Você acredita que ninguém da estatal levou dinheiro ao recomendar a compra, por US$ 1,19 bilhão, de uma refinaria vendida um ano antes por US$ 42,5 milhões? Você acredita que o escândalo da refinaria de Pasadena não passa, segundo o presidente do PT, Rui Falcão, de um ataque à maior empresa do Brasil e “patrimônio de nosso povo”? Você confia em Rui Falcão?

Você confia na inocência do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa? Ele foi preso pela Polícia Federal com mais de R$ 1 milhão em casa, sob acusação de envolvimento com quadrilha de lavagem de dinheiro. Você acredita que o Land Rover que ele ganhou de presente do doleiro Alberto Youssef tenha sido apenas um mimo como pagamento por uma consultoria?

Você acredita no governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, quando ele diz que pegar água da Bacia do Rio Paraíba do Sul – que abastece o Rio de Janeiro – seria uma boa política para os dois Estados? Alckmin acha que seu plano não prejudicará em nada o abastecimento de água do Estado do Rio e que é “uma via de mão dupla”. Você confia em Alckmin?

Você acredita que nossa inflação anual em 2013 ficou abaixo dos 6%, como afirma o governo? Você, que compra comida e paga por serviços, acha mesmo que a inflação foi de 5,91%? Você confia nos índices oficiais? Você acredita que, caminhando nesse ritmo, a inflação, no próximo ano, subirá ou será “trazida para o centro da meta” – como se fala no economês ininteligível dos ministros?

Você acredita na versão dos PMs que levaram para o hospital Claudia Ferreira, moradora do Morro da Congonha, no Rio de Janeiro? Você acredita que o subtenente Rodney Miguel Arcanjo só colocou Claudia no porta-malas da patrulha porque a rua era estreita, e ele ficou receoso devido ao assédio dos parentes e vizinhos de Claudia? Você acha mesmo que os PMs só queriam salvar Claudia? Você confia nos flagrantes da PM carioca e nos resultados de inquéritos? Mesmo após a história mentirosa e fantasiosa sobre o desaparecimento de Amarildo da favela da Rocinha, você confia nas versões oficiais sobre os “autos de resistência”? Você acredita que os PMs apoiam as UPPs?

Você acredita que o Brasil tem condições de sediar uma Copa do Mundo com um mínimo de respeito a prazos, horários, transporte, voos e acomodações? E sem desperdício de dinheiro? O estádio que abrirá a Copa em 12 de junho, com o jogo entre Brasil e Croácia, será entregue incompleto no dia 15 de abril à Fifa. Sem carpete, com piso de cimento. Sem iluminação, holofotes terão de ser alugados. Lanchonetes ainda por acabar. Ah, o problema é do BNDES, que atrasou a liberação do financiamento de R$ 400 milhões. A Fifa tinha exigido que o estádio fosse entregue com dois telões, cada um com 90 metros quadrados. Adivinhe! Os telões terão de ser alugados. Você acredita que os estádios de Curitiba e Cuiabá estarão prontos logo? Aliás, você confia na Fifa?

Você confia na oposição? Deve haver alguma coisa errada, porque, se 64% dos brasileiros estão insatisfeitos com o atual rumo do Brasil e querem que o próximo presidente mude muito ou totalmente o país, por que Dilma, segundo as previsões, venceria logo no primeiro turno? Você confia em Aécio Neves ou Eduardo Campos na Presidência da República? Você sabia que 35% dos brasileiros não conhecem Eduardo Campos e 27% não conhecem Aécio Neves? Você acredita que Campos e Aécio possam restituir a confiança na ética política e acabar com o vexame internacional do Brasil em saneamento, educação, saúde e segurança?

Todos podem ser inocentes ou competentes, não é mesmo? Em alguém daí de cima – de políticos a empresários e policiais –, a gente deveria acreditar, pelo bem do Brasil. Você confia?


Em tempo:

Não, não confio. No caso da auxiliar de serviços gerais Cláudia Ferreira da Silva, 38, por exemplo, que cuidava de quatro sobrinhos, além de criar os quatro filhos, que morava no Morro da Congonha, em Madureira, no Rio de Janeiro, e que, no domingo, 16, saiu de casa com R$ 6 para comprar pão e mortadela e, ao segurar um copo de café em uma das mãos, levou três tiros de curta distância, sendo, em seguida, praticamente mutilada por três ensandecidos PMs a caminho do hospital, é pertinente salientar que, segundo o fotógrafo Marcelo Valle, em texto postado nesta segunda-feira, 24, numa dada rede social, o trio homicida está livre e já havia “cometido DIVERSOS CRIMES, que a corporação não considera crimes, mas ‘auto de resistência’ e não os expulsou!’”.



Nathalie Bernardo da Câmara


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