terça-feira, 30 de setembro de 2014

A ÚLTIMA HISTÓRIA QUE JOSÉ SARAMAGO (1922 - 2010) QUIS CONTAR

Capa da edição portuguesa do novo livro do escritor.


“Alabardas, alabardas, Espingardas, espingardas” nas livrarias portuguesas – dossier de imprensa

Fundação José Saramago – 23 de setembro, 2014 

Alabardas, alabardasEspingardas, espingardas, o romance inacabado de José Saramago, encontra-se a partir de hoje nas principais livrarias de Portugal.

Para além dos capítulos escritos pelo Nobel português de Literatura, a edição portuguesa inclui um texto do escritor italiano Roberto Saviano e outro do espanhol Fernando Gómez Aguilera. Na capa e no seu miolo são reproduzidas ilustrações do escritor alemão Günter Grass, Prémio Nobel de Literatura.

A edição italiana chegou às livrarias no dia 26 de agosto e no 1.º dia de outubro os leitores em espanhol, na Europa e na América, poderão ficar a conhecer o último livro de José Saramago.

No Brasil, o romance chega às livrarias no dia 30 de setembro.
(Na foto, os primeiros exemplares de Alabardas disponíveis na livraria da Fundação José Saramago – Casa dos Bicos)

Na imprensa:

(El Mundo – Espanha)


Romance inacabado de Saramago chega hoje às livrarias
(Diário de Notícias – Portugal)







A última causa de Saramago
(Visão – Portugal)



O impulso final de José Saramago
(Expresso - Portugal)

O livro de José Saramago que ficou por armar
(Diário de Notícias – Portugal) (segunda parte)


El disparo final de Saramago
(Canárias 7 – Espanha)




“Vai à merda”, diria ela no fim. Assim queria Saramago


PÚBLICO
Isabel Coutinho - 23/09/2014


Quatro anos depois da morte de José Saramago chegou esta terça-feira às livrarias portuguesas o romance que o Nobel deixou inacabado Alabardas, Alabardas, Espingardas, Espingardas.




Mesmo antes de o acabar, José Saramago sabia com que frase queria terminar aquele que seria o último romance em que trabalhou e deixou inacabado.

No dia 16 de Setembro de 2009, nas notas que ia escrevendo no seu computador, o Prémio Nobel da Literatura 1998 anotava: “Creio que poderemos vir a ter livro. O primeiro capítulo, refundido, não reescrito, saiu bem, apontando já algumas vias para a tal história ‘humana’. Os caracteres de Felícia e do marido aparecem bastante definidos. O livro terminará com um sonoro ‘Vai à merda’, proferido por ela. Um remate exemplar."

A obra começou por se chamar Belona (nome da deusa romana da guerra), passou a ser Belona S.A., depois Produtos Belona, S.A. e, por fim, chegou esta terça-feira às livrarias portuguesas com o título Alabardas, Alabardas, Espingardas, Espingardas, que é retirado da tragicomédia Exortação da Guerra de Gil Vicente. A Porto Editora, que edita a obra, não revela a tiragem desta primeira edição. 

A primeira vez que no caderno de José Saramago, que morreu em 2010, aparece a referência a este livro de que deixou escritos e terminados os três capítulos iniciais é no dia 15 de Agosto de 2009. Aí o autor explicava que eram velhas perguntas suas -  “porquê nunca houve uma greve numa fábrica de armamento” ou o "que se passa para que a classe operária tão capaz de lutas não tenha conseguido entrar nos portões duma fábrica de armas?". Foi essa "preocupação" que “deu pé a uma ideia complementar" que, precisamente, permitiu "o tratamento ficcional do tema”.

Explicava também que “o gancho para arrancar com a história” era uma bomba que não chegou a explodir na Guerra Civil de Espanha, a que Saramago juntou a referência que André Malraux faz no seu L’Espoir a operários de Milão fuzilados por terem sabotado obuses. 

Na sessão de  lançamento do seu último romanceCaim, em 2009, José Saramago anunciou publicamente que estava a escrever um novo livro e explicou mais. Contou que esse morteiro que não rebentou na Guerra Civil de Espanha tinha um papel escrito em português onde se lia: "Esta bomba não rebentará". Saramago disse que poderia até ter sido um operário da Fábrica de Braço de Prata, em Lisboa, a ousar fazê-lo.

A personagem principal de Alabardas, Alabardas, Espingardas, Espingardas é Artur Paz Semedo, que trabalha há quase vinte anos nos serviços de facturação de armamento ligeiro e munições de uma histórica fábrica de armamento em Lisboa. É um homem a quem a estreia de um filme de guerra provoca “um alvoroço quase infantil” e que, se não trabalhasse numa fábrica de armamento, “o mais certo é que ainda hoje estivesse a viver, sem outras aspirações, com a sua pacifista felícia”. (pág.16)

Pilar del Río, na edição de Setembro da revistaBlimunda da Fundação José Saramago, que pode ser descarregada gratuitamente em PDF no site da fundação e traz um dossier sobre este livro, defineAlabardas, Alabardas, Espingardas, Espingardascomo um romance sobre as armas e a responsabilidade cívica.

 "As personagens que povoam o livro têm discursos e contradições elaboradas a partir do convencimento de que não ver é mais rentável do que ver – ou de que a indiferença é mais cómoda que a acção – e da necessidade do conhecimento e da intervenção para não ser cúmplice com o despropósito da violência. José Saramago escreveu um romance de personagens e situações que se confrontam com a realidade, tantas vezes mais obstinada que as pessoas, por isso não ver faz-se tão dramático.”, defende a presidente da Fundação e viúva do escritor.

O livro onde são publicadas as trinta páginas daquele que seria o próximo romance de José Saramago e onde já estão desenhados os dois protagonistas do livro - Artur Paz Semedo e a sua ex-mulher Felícia - traz na edição portuguesa (que segue a espanhola) ilustrações do Prémio Nobel da Literatura 1999 Günter Grass, notas do caderno de Saramago - onde o escritor ia dando conta do romance que queria escrever - e ainda dois textos, um do biógrafo espanhol de José Saramago, Fernando Gómez Aguilera, e outro do escritor e jornalista italiano Roberto Saviano. 

“Na capa da edição portuguesa só aparece parte do título - a palavra ‘Alabardas’ - por questões gráficas e também por questões que têm a ver com a edição espanhola”, explicou o director editorial da Porto Editora, Manuel Alberto Valente na sessão de apresentação das novidades da rentrée.

“Pensou-se que as duas edições, portuguesa e espanhola, deveriam ser idênticas e são diferentes das outras edições que estão agora a ser publicadas como a italiana ou a brasileira”, afirmou Manuel Alberto Valente, lembrando que José Saramago estava profundamente empenhado com as duas realidades ibéricas e por isso pareceu-lhes que faria sentido as duas edições serem iguais. À edição brasileira, da Companhia das Letras, por exemplo, foi acrescentado um texto de Luiz Eduardo Soares, antropólogo e especialista em segurança pública. 

O texto de Fernando Gómez Aguilera é ensaístico e explicativo (situa este livro na obra completa de Saramago) e o texto de Roberto Saviano é emocionante. Vai lembrando vários heróis - como Tim Lopes, o jornalista brasileiro que foi assassinado -, que à sua maneira foram também como a personagem deste livro: escolheram arriscar para se protegerem da "idiotice" de se viver uma vida plana.

Ao longo do texto é repetido: "Também eu conheci Artur Paz Semedo. Não trabalhava nos serviços de facturação de armamento ligeiro e munições Belona S. A., e não teve uma ex-mulher pacifista. Não vivia em Itália. Provavelmente nunca pegou numa pistola, imagine-se se alguma vez terá pensado em dar um tiro. Mas  também eu conheci Artur Paz Semedo e o seu nome era.... Tim Lopes. A sua arma era a paixão. Uma ardente paixão." (pág. 114).


Para o dia 2 de Outubro está marcada a sessão de lançamento do livro em Lisboa. Durante a manhã haverá uma conferência de imprensa na Fábrica de Braço de Prata (o antigo estabelecimento fabril militar do Estado Português, desactivado na década de 1990) e ao final da tarde, às 18h30, será a apresentação mundial de Alabardas, Alabardas, Espingardas, Espingardasna Sala Garrett do Teatro Nacional D. Maria II, com a participação do professor António Sampaio da Nóvoa, do juiz Baltasar Garzón e do escritor Roberto Saviano. A sessão será moderada pela jornalista Anabela Mota Ribeiro e serão projectadas as ilustrações de Günter Grass que integram o livro.

Vídeo de quando José Saramago falou do seu último livro:




José Saramago volta a falar aos leitores

Será publicado o romance inacabado ‘Alabardas’, sobre a violência e o negócio de armas. Participam do livro Roberto Saviano e Günter Grass

El País
WINSTON MANRIQUE SABOGAL Madri 25 SEP 2014


 Ilustração de Günter Grass para 'Alabardas', de Saramago.


Com o mar de Lanzarote à esquerda e o jardim de sua casa à frente, debruçados em duas janelas, José Saramago começou a escrever o romance que deixou inacabado e que verá a luz no dia 1 de outubro:Alabardas (Editora Alfaguara). Foi escrito em uma das salas de sua casa, em uma poltrona cor de telha rodeada de tons verdes onde nunca havia escrito um livro antes. Onde – para um tema como o da indústria de armamentos e o tráfico de armas– continuou a exploração de dois rumos literários: mais depuração no escrito e mais senso de humor e ironia.

O Nobel português (Azinhaga, 1922-Tías, Lanzarote, 2010) aborda o negócio armamentista, sim, mas também fala ao leitor, o interpela, conta-lhe uma história e nela lhe pergunta sobre sua posição e responsabilidade moral diante dessa situação. Ou, como diz o poeta e ensaísta Fernando Gómez Aguilera, “põe o dedo na consciência para incomodar, inquietar e depositar no âmbito pessoal o desafio da regeneração: a eventualidade, embora cética, de perceber a alternativa de um mundo mais humano”.

O romance aborda o negócio armamentista, sim, mas também fala ao leitor, o interpela, conta-lhe uma história e nela lhe pergunta sobre sua posição e responsabilidade moral diante dessa situação

Tudo começou a tomar corpo em 15 de agosto de 2009, depois da publicação de Caim, com a primeira anotação de trabalho: “É possível, quem sabe, que talvez possa escrever outro livro. Uma antiga preocupação (por que nunca houve uma greve em uma fábrica de armas)”. Chegou a escrever três capítulos que deixou em seu computador, com cópias impressas em uma pasta vermelha sobre a escrivaninha. E em outro documento de word deixou esboçada parte da história protagonizada por artur paz semedo que “trabalha há quase vinte anos no serviço de faturamento de armamento leve e munições de uma histórica fábrica de armas”. Um homem separado da mulher, “não porque ele o tivesse querido, mas por decisão dela, que, por ser convicta militante pacifista, acabou não podendo suportar nem um dia mais se sentir ligada pelos laços da inevitável convivência doméstica”.

Pura coerência.

Pura pergunta que Saramago lança em uma palavra de nove letras: Coerência. E daí em diante mais. Uma história dessas que concatenam ao mundo governos, empresas e cidadãos, e que nasce de outra pergunta: a empresa onde trabalha artur paz semedo vendeu armas aos fascistas da Guerra Civil Espanhola?

Isso é Alabarda, cujo nome completo seria “Alabardas, alabardas, espingardas, espingardas”, título extraído da tragicomédia Exortação da Guerra, do dramaturgo Gil Vicente. Um romance em que o escritor não só mudou de lugar na hora de escrever e aprofundou em outros registros, mas que, devido à doença, alterou sua rotina criativa e o fez cada vez que pôde. Em outros tempos, recorda Pilar del Río, sua viúva, “dedicava a manhã à correspondência, escrever artigos de imprensa ou conferências, enquanto à tarde escrevia romances. Mas nos últimos tempos o tempo o apertava e ele já não tinha horas. ‘O tempo aperta’, dizia”.

Saviano: "É como um manual de tradução de sons, percepções e indignações. Em Artur as revelações que vi são as de todos os homens e mulheres que se defenderam da idiotice ao se darem conta de haver compreendido os dois caminhos que existem: ficar aqui suportando a vida, conversando com ironia, tratando de acumular algum dinheiro e família e pouco mais, ou então outra coisa"

Saramago foi alcançado por esse tempo, e o que foi escrito nessa pressa se vê agora em 149 páginas. Uma edição especial que inclui as anotações do autor, um artigo de Roberto Saviano, um texto de Gómez Aguilera e tudo embelezado pelos desenhos de Günter Grass… lobos raivosos e assustados, sombras fantasmais, pernas e braços em marcha militar, semeadouros de armas, corvos, corvos…

Imagens que acompanham um livro, como escreve Saviano, “de páginas que são um criptograma do murmúrio contínuo das misteriosas revelações que recebemos. Como um manual de tradução de sons, percepções e indignações. Em artur, as revelações que vi são as de todos os homens e mulheres que se defenderam da idiotice ao se darem conta de haver compreendido os dois caminhos que existem: ficar aqui suportando a vida, conversando com ironia, tratando de acumular algum dinheiro e família e pouco mais, ou então outra coisa”.

Quatro anos depois de morto, Alabardas é publicado com uma mistura de sentimentos de Pilar del Río. Desde o principio ela tinha clareza que o editaria: “O leitor tem direito a conhecer aquilo que ocupava o autor que admirava e pelo qual havia se preocupado tanto. E mais em um homem como Saramago, que estava entre a vida e a morte, trabalhando”. Inclusive assim, quando podia, escrevia duas folhas diárias, fazia duas cópias na impressora – uma para a pasta vermelha e outra para a mulher– e no dia seguinte detalhava ou corrigia. O surpreendente, conta Del Río, eram a afabilidade, a leveza e o humor que queria transmitir esse homem muito doente que não sabia se poderia concluir o livro. Um romance que será apresentado no dia 2 de outubro em Lisboa com vários atos especiais: de manhã haverá uma visita com a imprensa à Fábrica de Braço de Prata, antiga Fábrica de armas e atualmente Centro Cultural; à tarde (17 horas), no Teatro Nacional D. Maria II, haverá uma entrevista coletiva à imprensa com Baltasar Garzón, Roberto Saviano e António Sampaio da Nóvoa.

É o diálogo contínuo de José Saramago com os leitores neste Alabardas, que escreveu em um lugar inédito para ele, com um computador, em sua poltrona cor de telha e frente à melhor obra da casa, segundo ele: duas janelas – uma com vista para o mar e para a ilha de Fuerteventura e a outra com as árvores do jardim que plantaram juntos.


 Ilustração de Günter Grass para 'Alabardas', de Saramago.




Enquanto isso, no Brasil...

Capa da edição brasileira do novo livro do escritor português.


Hoje, dia 30 de setembro, "Alabardas, alabardas, Espingardas, espingardas", o romance inacabado de José Saramago, chegou às livrarias brasileiras. A revista Blimunda deste mês reúne o depoimento dos editores envolvidos no processo de publicação dessa obra. Para ler a revista aceda: http://blimunda.josesaramago.org/2014/09/18/blimunda-28-setembro-de-2014/


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