sexta-feira, 28 de novembro de 2014

PEDESTRE: — FAIXA PARA QUE TE QUERO!

 “A faixa de pedestre é suprassumo de todo o sistema de trânsito...”.

Luis Riogi Miura
Brasileiro especialista em trânsito.


Com o aumento cada vez mais crescente de veículos circulando pelas vias de Natal, desprovidas de estrutura para atender tamanha demanda, o trânsito da capital do Rio Grande do Norte anda qualquer coisa... E isso por toda parte, com a situação agravando-se devido à quantidade exorbitante de pessoas sem a menor condição para pegar num volante, visto que, afinal, carteira de habilitação – quando se têm uma – nem sempre foi atestado de credibilidade, destacando-se, portanto, desse contingente, aqueles que se comportam tipo kamikazes – no caso, fazendo dos seus veículos, de maneira arrogante e irresponsável, poderosas armas, cujo alvo em potencial da sua sandice é qualquer um que esteja na sua frente, indiscriminadamente, numa banalização da vida sem precedentes – um verdadeiro descalabro!

Porém, quando Natal foi eleita uma das cidades-sedes da Copa, autoridades ditas competentes prometeram uma série de medidas a ser tomada para solucionar o famigerado problema da (i) mobilidade urbana local – (i) mobilidade essa que, aliás, à época, não era um “privilégio” apenas da Cidade do Sol e do seu entorno, mas, igualmente, de demais municípios brasileiros. Então... Para a realização de míseros quatro jogos do mundial nestas plagas, dois estádios esportivos, ladeados e igualmente utilizados para a promoção de eventos outros, foram sumariamente derrubados, sendo edificada, na lacuna deixada, a megalomaníaca Arena das Dunas, em função da qual foram construídos anéis viários e demais intervenções urbanas, que, por sua vez, se limitaram a valorizar os automóveis em detrimento dos pedestres.

O curioso é que, se, após a Copa, segundo a propaganda oficial, a Arena das Dunas tornar-se-ia palco de mil e uma utilidades – isso ninguém duvida –, o acesso ao complexo multifacetado deveria visar não somente os visitantes motorizados, mas, igualmente, os pedestres, que, na prática – tudo indica –, foram excluídos do seu planejamento, ou seja: dependendo da sua rota, o pedestre tem de andar longas distâncias até uma das duas passarelas existentes para, supostamente em segurança, pois inexistem faixas nas redondezas, atravessar as pistas, visto que os motoristas continuam pisando forte no acelerador. Enfim! Com toda a parafernália de concreto incrustada em Natal e outras incógnitas urbanísticas, digamos que o trânsito da cidade passou apenas por uma maquiagem, já que a sua periculosidade continua a mesma. Ou pior.


Trânsito: o bom exemplo de Brasília...

 Símbolo criado pela equipe gráfica do jornal Correio Braziliense para o programa Paz no trânsito, implantado na década de 90 no Distrito Federal.

“Quando eu falo da faixa, não é aquela próxima aos semáforos, falo das que ficam no meio das vias, as que obrigam os motoristas a pararem para que os pedestres possam atravessar...”.

Luis Riogi Miura
Ex-diretor do Departamento de Trânsito do Distrito Federal (DETRAN-DF) durante o mandato (1995 – 1999) do então governador Cristovam Buarque (à época, do PT – atualmente, senador pelo Distrito Federal pelo PDT), o autor da epígrafe foi o responsável pela implementação do programa Paz no trânsito, fruto de uma iniciativa da sociedade civil apoiada pela Universidade de Brasília (UnB); escolas; igrejas e empresas, tendo recebido respaldo da mídia local. Desse modo, o bem-sucedido programa de segurança no trânsito repercutiu positivamente não somente no Brasil, mas, também, em diversos países, inclusive os considerados de primeiro mundo.


Vez por outra, vejo-me pensando no programa Paz no trânsito, que, implementado no Distrito Federal na década de 90 – inicialmente, uma experiência –, foi considerado de política pública, conquistando, pela eficácia das suas medidas (intervenções no trânsito, na sua infraestrutura, na regulação de veículos e no comportamento das pessoas), as manchetes de capa dos principais jornais do Brasil, sendo, ainda, decisivo para a aprovação, no Congresso Nacional, do Código de Trânsito Brasileiro de 1997, com o seu modelo, aliás, exportado além das fronteiras nacionais. Ocorre que, durante o mandato (1999 - 2003) do sucessor de Cristovam Buarque, o já politicamente alquebrado Joaquim Roriz – à ocasião, do PMDB (determinados políticos, mediante as conveniências, mudam de legendas partidárias mais do que fraldas de recém-nascidos) –, houve um retrocesso no referido programa, um recuo nas suas ações, tão bem quistas por parte da população, que, por sua vez, se ressentiu, cobrando o retorno das mesmas. E não é que isso aconteceu!

Hoje, portanto, apesar dos altos e baixos ao longo do tempo – das baixas também –, o Distrito Federal, no quesito trânsito, continua sendo uma referência – isso porque, independentemente de políticas ditas partidárias e de toda sorte de politicagem, o respeito, no caso, à faixa de pedestres, de há muito assimilado pela população como uma questão cultural, influencia, de fato, comportamentos. Segundo Luis Riogi Miura, um dos maiores especialistas em trânsito do Brasil, coordenador da implantação do Registro Nacional de Veículos Automotores (Renavan) e do Registro Nacional de Condutores Habilitados (Renach), tudo se resume à valorização da vida. Para ele, “o pedestre é um ser humano” e, assim sendo, “objeto de proteção da sociedade”. Daí que, numa sociedade dominada por veículos, o trânsito deve refletir um mundo mais seguro, civilizado. Em sua coluna no portal Carta Polis (14/08/2011), o jornalista Leonardo Mota Neto publicou um artigo de autoria do economista Paulo Timm sobre a experiência no DF, ou seja, A Faixa de pedestre como requisito da paz no trânsito: http://www.cartapolis.com.br/1313366661/

E, parafraseando uma frase do autor...

Paz no trânsito: uma revolução de atitudes.
Foi em Brasília, pode ser em Natal.

Curiosidades:
(a partir da reportagem Em Brasília, respeito à faixa de pedestres foi resultado de campanha popular – Nelson Oliveira, Silvia Del Valle Gomide e Mariuza Vaz / Agência Senado)

Na década de 1980, a situação dos pedestres em Brasília era tão difícil que o poeta Nicolas Behr e o músico Nonato Veras compuseram Travessia do Eixão, canção na qual um pedestre pede a proteção de "Nossa Senhora do Cerrado" para atravessar as seis pistas daquela via e chegar "são e salvo" ao encontro com a namorada:

Nossa Senhora do Cerrado,
Protetora dos pedestres
Que atravessam o eixão
Às seis horas da tarde,
Fazei com que eu chegue são e salvo
Na casa da Noélia
Nonô Nonô Nonô Nonônô...

E mais:

O ato de motoristas pararem na faixa para permitir a travessia de pedestres faz parte do cotidiano na maior parte dos países europeus, incluindo Portugal. Nos Estados Unidos, inclusive em metrópoles movimentadas como Nova York, motoristas param nas faixas mesmo sem a necessidade de o pedestre dar sinal com a mão - a prioridade é sempre de quem está a pé. Nos países desenvolvidos, o respeito à faixa é indicativo de civilidade, mas no Brasil, 41 anos depois da foto que Ian MacMillan fez dos Beatles, ainda é um grande risco confiar nos motoristas - mesmo em Brasília.

Na opinião do economista e sociólogo José Nivaldino Rodrigues, o programa de segurança implantado por Cristovam [Buarque] interferiu não somente na infraestrutura ou na regulação de veículos, mas no comportamento das pessoas. É o que ele afirma em sua dissertação de mestrado pela Universidade de Brasília (UnB), instituição na qual obteve um certificado de especialista em educação para o trânsito.


Link para a mencionada dissertação de mestrado (Placar da vida:uma análise do programa “Paz no trânsito” no Distrito Federal. 2007.): http://repositorio.unb.br/handle/10482/2730?mode=full


Então...

No dia 08 de agosto de 1969, o fotógrafo escocês Iain Macmillan (1938 - 2006), amigo de Yoko Ono e John Lennon (1940 - 1980) teve dez minutos para registrar dos Beatles atravessando a Rua Abbey Road, St. John’s Wood, em Londres: fez seis fotografias, sendo escolhida para a capa do disco Abbey Road a postada abaixo – em 2010, a famosa imagem tornou-se patrimônio britânico.




Enquanto isso...


O deboche crítico da charge de Amarildo.


Em tempo:


Enquanto escrevia esta postagem, pesquisei na internet a respeito de detalhes sobre o Paz no trânsito, encontrando, casualmente, certa referência ao programa implementado no Distrito Federal na década de 90, não hesitando, por sua pertinência, em transcrevê-la, ou seja, no dia 09 de setembro de 2014, então candidato a governador do Distrito Federal pelo PSB – eleito no segundo turno –, o senador Rodrigo Rollemberg postou na sua linha do tempo no facebook: — Sucesso no governo Cristovam Buarque, o Programa Paz no Trânsito transformou Brasília em referência nacional de educação no trânsito e conseguiu reduzir o número de mortes por acidentes. O nosso governo vai implementá-lo novamente e voltaremos a ser exemplo de civilidade. Será feito o plano de adequação de infraestrutura com sinalização inteligente, tapa buracos, lombadas, mais visibilidade e sinalização às faixas de pedestre, qualificação de ciclovias e iluminação pública. Também serão retomadas as campanhas educativas permanentes sobre faixas de pedestre, limites de velocidade e ingestão de bebidas. Essas ações serão alinhadas com a ampliação da presença de agentes da Polícia Militar e do DETRAN, auxiliando no fluxo do tráfego e prevenindo infrações. É desse jeito que construiremos uma “Brasília de Paz” com civilidade e respeito no trânsito.


Cidadania no trânsito


Que a bela e pertinente iniciativa do senador Rodrigo Rollemberg em resgatar a paz no trânsito do Distrito Federal sirva de exemplo para os demais governadores eleitos, ou melhor, que seja abraçada pelo governo federal – quiçá, numa programa nacional, aplicado em todo o país, sem exceções.



Nathalie Bernardo da Câmara


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