segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

NEM PRESÉPIO NEM PAPAI NOEL (atualizado)

“O problema não é um Deus que não existe, mas a religião que o proclama...”.

José Saramago (1922 - 2010)
Escritor português


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“A sociedade consumista favorece a corrupção...”.

Gherardo Colombo
Juiz italiano


Essa coisa de comemorar o Natal nunca me comoveu ou afetou: quando criança, ajudar a montar o presépio e ornar uma árvore de plástico com penduricalhos os mais diversos em nada se diferenciava das minhas brincadeiras na rua com a minha irmã e os meus amigos, ou quando eu me divertia sozinha andando de velocípede ou me distraía com outros brinquedos ou com a minha boneca Emília, que, aliás, a minha mãe só me deu porque, à época, eu já andava as voltas com a leitura da obra infantil do escritor brasileiro Monteiro Lobato (1882 - 1948), incursionando nas aventuras vividas pela turma do Sítio do Pica-pau Amarelo; gostava especialmente da personagem e, detalhe: apesar de comercializada por uma das mais badaladas fábricas de brinquedos do Brasil, ela era de pano – creio que o motivo determinante para que eu a ganhasse, pois, em casa, nunca o dito espírito capitalista de consumo foi alimentado, independentemente do período do ano, sendo o gosto pelo artesanato despertado nos filhos desde muito cedo. Curiosamente, guardo a boneca até hoje – uma doce lembrança...

Durante, ainda, a minha infância, tornei-me uma pessoa cética, tendo feito a primeira comunhão apenas por sua mera teatralidade, embora, apesar das repreensões das avós, ambas católicas fervorosas e de estudar em colégio igualmente católico, eu tenha me recusado à crisma, ou seja, a confirmação do batismo – acho um despropósito sem igual os adeptos de não importa qual religião imporem a recém-nascidos a crença que abraçam e os seus rituais, já que, convenhamos, esse tipo de coisa só se pode esperar de uma pessoa quando ela adquire discernimento, não antes disso. O fato é que, desde cedo, passei a fazer cara feira para o Natal, a me incomodar com a data, a ponto de repudiá-la, sobretudo devido à hipocrisia que, criança, eu percebia presente a cada novo fim de ano. Isso sem falar na ideia inverossímil de um idoso obeso altruísta, voando em um trenó puxado por renas capazes de darem a volta ao mundo em apenas uma noite, descer pela chaminé com presentes confeccionados e embalados por duendes verdes – além de não existir chaminé em nossa casa, nunca gostei do surrealismo.

Nada simpática, portanto, ao consumismo ululante nem, muito menos, à ficção contada, chegou um momento em que também comecei a me sentir desconfortável com a decoração natalina: luzes coloridas piscando por toda parte etc, que, além de cafona, consome uma energia daquelas! – parêntese: enquanto escrevo esta, uma revista eletrônica de certo canal brasileiro de televisão exibe uma reportagem sobre a suposta chegada de Papai Noel ao Brasil: de avião, ele teria desembarcado em dado aeroporto do país... Ninguém merece! O mais grave, contudo, é que, nesse período do ano, como se já não bastasse o patético altruísmo do “bom velhinho”, muitos se acham intocáveis, simplesmente porque praticam, por mera formalidade e, se brincar, sem a menor das emoções, o que entendem por caridade cristã, enquanto nos demais meses do ano, se assim se fizer necessário, são capazes de crucificar um, difamar, escorraçar, alijar – quando não, aleijar. Porém, eis que, em dezembro, vem à tona o maior dos símbolos do Natal, ou seja: a hipocrisia. E nem atravessado desce essa “coisa” de magia!


              Era uma vez ceia de Natal... 

“A fraternidade é uma das mais belas invenções da hipocrisia social...”.

Gustave Flaubert (1821 - 1880)
Escritor francês


Falando em caridade cristã... Lembrei-me que, outro dia, fazendo um criptograma, a deixa era: um dos cinco pilares do islamismo. Chocou-me, contudo, a resposta, que seria caridade obrigatória. Ora, se a caridade em si, espontânea, já é algo maçante, o que dirá quando uma religião obriga o fiel a praticá-la! Na verdade, se fosse o caso, o ideal seria solidariedade – o que também poderia ser visto como algo desnecessário caso o Estado cumprisse com o seu principal dever, que é o de garantir condições de vida dignas à população como um todo. Ocorre que o Brasil é regido por um degradante sistema capitalista, no qual as desigualdades sociais são evidentes e dramáticas.

Daí a existência de Organizações não governamentais que, ao longo do ano, apelam por colaborações de terceiros para tentarem minimizar determinados flagelos inerentes a um país economicamente desumano e excludente, embora, no mês de dezembro, algumas delas intensifiquem as suas intervenções na mídia. (Cortei umas linhas aqui, me auto-censurei, em defesa da democracia).

Enfim! O capitalismo e as religiões, isoladamente, já deformam – unidos, então! E dezembro é, sem dúvida, um mês indigesto para mim – indigestão essa que, a cada ano, só aumenta, aumentando, por sua vez, a minha necessidade de reclusão nesse período, incluindo o réveillon, que não faz milagres: de um tempo para cá, costumo sair de um ano e entrar noutro dormindo, visto que, afinal, calendário nunca moldou caráter e, portanto, a maioria das pessoas vai continuar atuando como se a vida fosse um palco, no qual, numa performance decadente, representa as suas façanhas mais medíocres e bestiais – sinto asco e o meu estômago revira.

Enquanto isso, a fome continuará açoitando uma parcela considerável da população; a classe política, apesar de moralmente falida, insistindo que é idônea, querendo ludibriar o eleitor... Não, não sou pessimista – limito-me a constatar fatos, tipo: o país tinha tudo para dar certo, não se tornar referência mundial no quesito corrupção, que, apesar dos escândalos, desafiando todos, entranhou-se no sistema, igual um câncer maligno, com máfias de todos os matizes, inclusive as redes de tráfico humano para o trabalho escravo; prostituição; remoção de órgãos para transplantes; adoção etc, espalhadas por todos os rincões do Brasil, ora, inescrupulosamente, sendo conduzido ao cadafalso.

É lamentável tudo isso, mas, sinceramente, já que as legislações brasileiras são dúbias, inclusive a eleitoral, cabe aos eleitores cobrar de quem elegeu ou, quando for o caso, colocar um freio em determinados políticos em anos de eleições, não os reelegendo, como tem acontecido, bem como cabe à Justiça  este texto é de 2014; agora, em 2016, o Sistema Temerário da Federação (STF) não existe e o brasileiro está com o pescoço na forca  impor a revisão de certas leis do país, a fim de que os culpados sejam realmente punidos com o máximo rigor e os crimes cometidos, por exemplo, na Petrobras, sejam considerados de lesa pátria, sendo os condenados enquadrados, de preferência, por anos a perder de vista.

Mais? Até teria muitas outras coisas a dizer, mas saturei – igual também já saturaram os comerciais de TV com anúncios temáticos do Natal...


Nathalie Bernardo da Câmara


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