terça-feira, 27 de dezembro de 2016

SAI ANO, ENTRA ANO, É A MESMA LADAINHA...

“O hipócrita que representa sempre o mesmo papel deixa, enfim, de ser hipócrita...”.

Friedrich Nietzsche (1844 - 1900), filósofo alemão.


Final de ano, mudança de ano – isso todo ano... Não são poucos os que acreditam que, apesar dos pesares, tal período do ano é, indiscutivelmente, de festejos, num ciclo aparentemente ad aeternum, como se “todos” tivessem a obrigação de comemorar uma mera substituição de calendário, esquecendo-se de que o calendário em si é apenas uma invenção criada, entre outros fins, para registrar a passagem do tempo e determinar o modus operandi das sociedades, alijando fatores outros desse processo. Ocorre que, não importa o motivo, nem todo mundo adere ao coro da Maria vai com as outras – eu, particularmente, de há muito não me entusiasmo sequer um milésimo de segundo com essa euforia coletiva –, reservando-se a uma individualidade que, queiram ou não reconhecê-la, é inerente ao ser dito humano, pois, nisso, ele difere-se de produtos manufaturados fabricados em grande quantidade, obedecendo ao mesmo padrão – a qualidade pouco importa – e em série –  de preferência, rotulados –, apesar de a sociedade capitalista, desumana, consumista e excludente por excelência bater o pé, querendo que assim o fosse – bate tanto que, um dia, a casa cai... Enfim! Só que não é assim que a banda toca. Como diria um provérbio francês, oriundo dos escolásticos da Idade Média: Des goûts et des couleurs, il ne faut pas discuter, ou seja, não se discute preferências, ainda mais, sobretudo, no caso do Brasil, na atual conjuntura – uma época de trevas que nem a “luz” dos irritantes e perigosos fogos de artifício (o nome já o diz), invariavelmente soltados no réveillon, é capaz de dissipar ou minimizar as suas sombras. Pelo contrário, apenas acentuam-nas! Sim, o momento não é favorável, não havendo, portanto, o que se comemorar, o que festejar, sendo o “policiamento” de certas pessoas, diga-se de passagem, querendo, a ferro e fogo, ditar as reações alheias diante, por exemplo, do desmantelo pelo qual passa o país e em relação ao futuro do brasileiro, ainda mais irritante e perigoso do que fogos de artifício.

Ora, essas pessoas podem até ser absurdamente otimistas, tanto faz se a situação pareça-lhes ou não adversa, é um direito que lhes assiste, mas não têm direito algum de cercear os sentimentos de terceiros, se de pessimismo, realismo ou, ainda, ceticismo – o que dirá nenhuma das alternativas! Sim, porque nada impede que alguém seja indiferente ao que bem entender – questão de foro íntimo. Quanto a mim, atenho-me apenas aos fatos, não ao faz de conta dos contos de fadas. Desse modo, quando vejo o desgoverno imposto ao Brasil, onde, por exemplo, as suas riquezas naturais estão sendo leiloadas a preço de banana – melhor comparar com o preço do suspiro, trocado por lágrima nas ruas do país, já que a banana anda os olhos da cara –, tornando ainda mais insossa a mal fadada sina do brasileiro, sentenciado à morte por Propostas de Emendas Constitucionais (PECs) aprovadas a 3x4 por corruptos de plantão e demais medidas fascistas, que, entre outras, considerando o recém-estrangulamento da democracia, confiscam os direitos dos trabalhadores, sabotam o acesso da população à educação e à saúde, além de importarem não somente as pragas do Egito, mas também as do tio Sam, eu estaria assinando um atestado de alienação mental e política caso sentisse-me otimista ante a tamanha catástrofe social e econômica que ora abate a outrora Terra dos Papagaios, num retrocesso histórico a perder de vista, e os gentis que nela habitam. Enquanto isso, no cenário internacional, o mundo assiste, omisso e cúmplice, a uma tragédia anunciada: a devastação e a derrocada da Síria por insanos perversos, soterrando, em meio a escombros humanos e de concreto, uma História milenar, tudo indicando que o país será banido do próximo mapa-múndi, tristemente traçado com a carne e o sangue de arameus e assírios. Infelizmente, o genocídio do povo sírio sequer servirá de exemplo para conter o belicismo, que, patológico e sem cura, só tem se espalhado mundo afora. E com a velocidade de rastilhos de pólvora.


Festejos para que te quero!

Em sua tese de doutoramento, intitulada Festa à brasileira: sentidos do festejar no país que “não é sério” (1998), com uma versão para eBook disponibilizada em 2001, a antropóloga brasileira Rita Amaral (1958 - 2011), nascida em São Paulo, capital, embora gostasse de dizer que era pernambucana, não apenas imprimiu cores e tons aos rituais das festas populares do Brasil, que, aliás, “movem interesses políticos e econômicos que poucas vezes se imagina”, mas as radiografou – abaixo, uma das passagens que se destaca na obra da pesquisadora e traduz o seu entendimento dos festejos:

“O divertimento (pressuposto da festa) é uma rápida fuga da monotonia cotidiana do trabalho pela sobrevivência, não tendo, a princípio, qualquer ‘utilidade’. No entanto, a humanidade precisa da ‘vida séria’, pois sabe que, sem ela, a vida em sociedade tornar-se-ia impossível. Disto resulta que a festa deixa de ser ‘inútil’ e passa a ter uma ‘função’, pois ao fim de cada cerimônia, de cada festa, os indivíduos voltariam à ‘vida séria’ com mais coragem e disposição. A festa (como o ritual) reabasteceria a sociedade de ‘energia’, de disposição para continuar. Ou pela resignação, ao perceber que o caos se instauraria sem as regras sociais, ou pela esperança de que, um dia, finalmente, o mundo será livre (como a festa pretende ser, durante o seu tempo de duração) das amarras que as regras sociais impõem aos indivíduos...”.


EM TEMPO:

No dia 18 de março de 1991, teci alguns versos que revelam a minha indiferença em relação aos calendários – o que dirá as convenções! Todas.

O futuro não é o amanhã
nem fica revolto no tempo à espera
– o futuro é o segundo seguinte
que compõe os minutos na balada das horas.

Nathalie Bernardo da Câmara



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