segunda-feira, 16 de outubro de 2017

ERA UMA VEZ UMA MACUMBA...

Tornou-se famosa entre os historiadores uma resposta dada pelo barão de Cotegipe (1815 - 1889) à princesa Isabel (1846 - 1921), logo após a “suposta” abolição da escravatura no Brasil, ou seja, a Lei Áurea – a monarca teria lhe perguntado: “Então, ganhei ou não ganhei a partida?”, ao que o barão retrucou: “Ganhou, mas perdeu a coroa”.


Uma lembrança da minha infância, que, nem sei o motivo, me veio à mente há pouco: a primeira vez em que vi uma macumba, na companhia de Pierre, meu querido irmão francês. Éramos crianças e a mãe de Pierre e Claire foi para a França, deixando com os meus pais, “para tomar de conta”, como se diz no Nordeste, não somente a casa que ela tinha à beira-mar, na praia de Ponta Negra, em Natal, mas também os seus filhos.

Na casa tinha um pé de jambo maravilhoso, onde eu vivia pulando de galho em galho, igual macaco – vez por outra, Maria, que nos criou e “ficava de olho” em todos nós, dizia: — Cadê, Nathalie?

Eu sempre fui a queridinha dela...


Ora Maria pensava que eu estava no mar, que podia ter me afogado, desesperando-se, embora eu soubesse nadar; ora que eu tinha subido o Morro do Careca e evaporado, feito areia, diluindo junto com a erosão...  Que nada! Eu não saia de casa, só no pé de jambo, sugando um fruto que entontece pelo aroma, o de cor de vinho, quando está maduro, chegando o sumo do fruto a escorrer pelos cantos da boca, apenas contemplando a paisagem através da folhagem da árvore, já que sempre preferi a sombra ao sol.

Certo dia, o meu pai chamou a gente – tudo criança – para catar gravetos e correlatos numa mata (hoje, nem existe mais) que havia antes da Barreira do Inferno. Era época das festividades de São João, acho, já que era para fazer uma fogueira.

O meu pai e a minha irmã Tereza – acho que Claire estava com eles – (o meu irmão Marquinhos ainda era pequenininho e ficava em casa com uma babá), foram para um lado; Pierre e eu fomos para outro... Só que, enquanto Pierre e eu catávamos os nossos gravetos, deparamo-nos, na maior inocência, com uma macumba, debaixo de um cajueiro... Foi muito estranho: aquele pano na areia, com uma tigela de barro, repleta de sabe-se lá o quê...

Recordo-me que tinha uma galinha de penas pretas morta no local; uma garrafa de aguardente; ramos de uma planta qualquer e mais um monte de coisas “esquisitas” ao redor... Jogamos os nossos gravetos de lado e fomos tentar entender o que era “aquilo” – não é à toa que, adultos, Pierre e eu somos pesquisadores.

Então... À época, já pensando em ‘estética’, mesmo inconscientemente, desfizemos aquela “arrumação” e, quando viramos a tigela, encontramos uma nota de 50 cruzeiros – acho que era isso – embaixo da mesma. Só que, como Pierre estava de sunga e eu de short, guardei a nota num dos bolsos.

Tempos depois, quando reencontramos os demais, estávamos sem graveto algum (acho que alegamos a perda dos gravetos no meio do caminho por algum motivo, achando tudo aquilo muito “sublime”) – ninguém entendeu nada, mas, tudo bem.

Só ficamos calados.

Chegando a casa da praia, procuramos Maria e contei sobre o ocorrido. Foi um quiproquó! Ela disse que Pierre e eu não podíamos sequer ter tocado “naquilo”, ou seja, a macumba – a explicação não passou disso e continuamos sem entender nada: a única coisa que sei é que, por um tempo, em Neópolis, onde, à época, os meus pais de fato moravam, abrimos um crédito na padaria e, por muito tempo, com aqueles 50 cruzeiros, nós quatro, Tereza, Claire, Pierre e eu, fizemos a “festa”, além de livrar alguém, se fosse o caso, de alguma maldade de terceiros, já que interferimos e, mesmo sem intenção, quebramos, com a nossa inocência, algo que poderia ser ruim para alguém e que, ao final, virou uma grande diversão para nós!

Coisa boa que é a infância... E saudade do meu amigo.

Nathalie Bernardo da Câmara





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